Devaneios carnais da Sexta Feira



Sexta feira é um dia diferente na cidade grande. O trânsito é sempre mais caótico. Enquanto uns querem correr o mais que podem, outros parecem querer andar o mais lentamente possível. Na parte da manha já se encontra muitas pessoas nervosas espalhadas pela cidade. Dirigindo, trabalhando, em qualquer lugar. Outras tentam ser sorridentes, alegres,  em uma falsa alegria que só existe na cidade grande; deve ser uma característica da urbanidade. A questão é que sexta feira não é um simples dia. Sexta feira é sempre um dia de devaneios carnais.  Na hora do almoço já começam a aumentar as preocupações. As moças esperam aquela ligação do namorado que não acontece, e angustiadas, não sabem se saem com as amigas para aquela balada  colocando em risco o futuro do relacionamento que acreditam ter; ou se ficam em casa, na esperança, e na dúvida de que o moço apareça ou vai estar em casa, também sozinho, planejando o futuro a dois.
Na medida em que as horas da tarde vão passando, tudo vai ficando mais caótico. Na verdade parece que as pessoas acreditam que se começar a correr mais, ficar nervosas, vai, de alguma forma, forçar os seus desejos a se tornarem realidade. O rapaz inseguro não sabe se liga para a namorada, ou dá aquela escapada; afinal, pensa ele, não será traição, ainda é apenas namoro. Depois, já viu a tal namorada duas vezes na semana precisam de um pouco de privacidade, pensa, tentando explicar para si mesmo o inexplicável. Enquanto as mentes devaneiam, muitos erros são cometidos, e, muitas vidas ceifadas, tudo, por causa dos devaneios carnais de uma sexta feira.
Toda vez que alguém me pergunta por que sexta feira é assim, eu logo respondo que é simplesmente por dois motivos: os solteiros estão cansados de ficar sozinhos; e, os casados, bem, estes estão cansados de ficar casados. Para que todos entendam passo logo a explicar no mais desbragado senso comum. Ora, digo, é por que os solteiros ao chegarem na sexta feira e não ter encontrado uma companhia para o fim de semana entram no desespero. Olham para o mundo e odeiam o fato de estarem sozinhos. Querem a companhia de alguém a qualquer preço. Desesperadamente começam a olhar os jornais, a seção cultural, os endereços dos bares onde se encontra gente solteira e sozinha; começam a pensar naquela velha agenda, nos velhos amigos, sobretudo nas companhias que já se foram.
Aqueles que estão casados? Bem, estes são bem mais complicados. Muitos têm filhos, e sabem que o fim de semana será exatamente a mesma rotina. A questão fica ainda mais séria se os filhos ainda não completaram dez ou doze anos de idade; afinal, um deles ou os dois terão de cuidar dos filhos. Caso isso aconteça a rotina vai da casa ao parque, no máximo ao Shopping, e que convenhamos não é um bom programa para quem não é feliz vivendo em família. Pior ainda  quando o casamento tomou aquele rumo moderno onde cada um tem uma vida privada fora do casamento. Quase sempre a ausência dos amantes torna vida fria e insegura no fim de semana. A saudade, os ciúmes, o medo de que na segunda feira o amante já não deseja mais continuar a situação vivida torna o fim de semana um inferno, e, a sexta feira um dia de despedidas eternas.
A verdade é que no mundo capitalista a sexta feira tornou-se um dia de preparação para as incertezas. Sábado e domingo tornaram-se um buraco negro na rotina das pessoas que estão acostumados a uma vida fria, distante, e quase sem nenhuma humanidade descobre, muitas vezes já tarde, que estão envelhecendo sozinhos. Sexta feira nos lembra que ainda somos humanos, que vivemos em família e muitas vezes nos sentimos sozinhos. Da mesma forma que muitos correm, outros parecem andar lentamente na sexta feira na esperança de alguém os encontre e caminhe ao lado deles. Sexta feira é o dia que nos lembra de que é preciso descansar, tornar-nos seres humanos, criar, e se admirar do que criamos. Os desejos carnais da sexta feira, ainda eles, nos lembra que somos humanos, e que temos um propósito nesta terra, além  de trabalhar, trabalhar, trabalhar.

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