Enade, ética, Moral e avaliação na Educação Superior
Durante
toda a minha vida tive problemas com a avaliação sobre minha prática docente
feita pelos discentes, ou seja, pelos alunos. Recentemente comecei a refletir
sobre as razões de tais problemas, e, foi então que muitos questões começaram a
surgir na minha mente. Questões que parecem sem respostas mas que despertam
outras tantas reflexões. A primeira grande questão que sempre trouxe
inquietação é: Pode o aluno ter condições de avaliar a prática pedagógica de um
docente? É claro que esta questão envolve outros tantas questões éticas, morais
e técnicas que embora não seja possível problematizar neste artigo podemos
tecer pequenas considerações.
Para
problematizar se um discente pode ter condições , técnicas e éticas para
avaliar um docente precisamos problematizar o que
é o discente, afinal, precisamos saber sobre quais parâmetros este ser olha e
lê o mundo, e portanto, como é capaz de ver o próprio professor. Em todas as faculdades
e Universidades onde ministrei aulas, ( com a rara exceção de um curto tempo de
professor Substituto na Universidade Federal de Goiás), convivi com um grave
problema: mais de 80% dos alunos que passaram pelas minhas mãos chegaram a
faculdade ou Universidade, e no período no qual ministrei as aulas sem saber
ler e escrever o básico em linguagem erudita (aliás, já escrevi mais de uma vez
neste blog que eu o comecei como incentivo para que os alunos praticassem a
escrita, e por isso, costuma escrever com erros de português para despertar nos
que liam a crítica, e, engraçado é que
bons professores, colegas, muitas vezes, elogiavam textos sofríveis que eu
publicava, muitos deles ainda publicados neste blog).
No
ano de 2004, fiz de propósito e tabulei a qualidade de leitura e interpretação
de texto de cem alunos da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de
Goiatuba. No resultado, 95% dos estudantes pesquisados apresentaram sérias
dificuldades de leitura e interpretação; e pior, dos alunos tabulados no Oitavo
período do Curso, apenas 3% chegavam a apresentar 50% do conhecimento básico do
curso no qual estavam aptos a receber o diploma. No ano de 2007, 2008 e 2009,
realizei a mesma pesquisa na mesma Instituição, o resultado apresentado foi o
mesmo. Não é, portanto, novidade para este que escreve o resultado da
Instituição no Enade. A pergunta é: Tem tais alunos condições de avaliar se um
docente possui capacidade didática?
No
ano de 2009, tive acesso a todas as avaliações discente sobre os docentes da
Instituição, e, foi então que notei um fato interessante. Os professores menos
qualificados da Instituição foram os mais bem avaliados pelos alunos. Curioso,
passei a observar as aulas de tais professores, na condição de Coordenador, e
notei que a maioria dos professores bem avaliados não ministrava sequer meia
hora de aula útil em um período de duas horas aulas, ou seja, tratava-se
daqueles professores que mais matavam aulas, que mais passavam tempo no início
e no fim da aula conversando futilidades com os alunos que em nada se
relacionava com o conteúdo básico da disciplina que ministravam.
Tal
situação gera um problema ético e outro moral. O ético na medida em que se
universaliza a idéia de que o bom professor é aquele querido pelos alunos, sem
mesmo analisar as razões de tal bem querer, ou a real capacidade didática do
professor; o problema moral, é que as faculdades com tal realidade colocam no
mercado e na sociedade todos anos uma quantidade imensa de profissionais
medíocres que quase nada sabem da profissão que vão exercer.
O
que fazer então, quando o maior problema das Instituições, diga-se as
periféricas públicas e as privadas, recebem um aluno do Ensino Médio que não
sabe ler, não sabe escrever, não sabe interpretar e não tem quase nenhuma
bagagem cultura e erudição? Em tal situação os gestores destas Instituições
ficam diante de um dilema ético e um problema moral prático: o dilema ético
trata-se, ou encontra uma forma de o aluno “sair-se bem no Enade, ou terá os
cursos fechados pelo MEC”; o problema moral prático é que, a depender da
solução encontrada para que o aluno saia-se bem no Enade pode transformar os
cursos em cursinhos para ENADE, jogando no mercado profissionais medíocres e
com formação humana sofrível.
Novamente,
o problema retorna para as mãos do docente. E então é que novamente se pode
perguntar: como pode o docente ajudar o aluno a superar as deficiências? Aqui,
a maioria das instituições tem pecado por uma simples questão: a maioria
absoluta tem apostado no ensino de Língua Portuguesa, baseado na Leitura e
escrita como forma de superar a defasagem do aluno, e esquece, que grande parte
do problema situa-se no binômio Cultura Erudita/cultura popular; senso comum/
conhecimento Científico e que a tão esperada evolução do aluno não pode, e não se
dará pela prática de leituras, e sim de vivências onde será possível a formação
do Espírito de Erudição e do Espírito Científico.
Neste
sentido, a filosofia, a missão, os valores que norteiam o projeto Pedagógico da
Instituição e a forma como são vivenciados na prática, influenciam muito mais
que o papel do docente ou mudanças pontuais nas disciplinas com aumento ou
diminuição de cargas horárias. De nada adianta colocar duas ou três vezes mais
horas aulas de uma determinada disciplina, se por outro lado, a Instituição
“aceitar” abonar faltas de alunos, professores não aproveitar ao máximo o tempo
útil em sala de aula para apresentar e discutir conteúdos, e não se exigir dos
alunos aprendizado mínimo para que sejam aprovados em cada uma das disciplinas.
Percebe-se
que os problemas vão se sobrepondo. Aluno sem formação necessária para receber
Educação Superior, ( e que se torna o elemento definidor do que deve ser um bom
professor); professores que passam a medir suas práticas tendo como parâmetro
“agradar” o aluno que pouco sabe, faculdades que fazem “qualquer negócio para
manter o aluno”, aluno que faz qualquer negócio para conseguir o diploma com a
maior facilidade possível, ( e o pior é que grande parte acreditam que já sabem
tudo do curso e que só precisam do diploma); o resultado disso está cada vez
mais claro para todos: deputados que acreditam que exigimos não se escreve com
G, a degradação cada vez maior da Língua Portuguesa, e pior, a banalização da
cultura. Hoje, parece que ser culto é saber de cor a música do Michel Teló.
Mas, retomando a questão inicial é difícil entender que em tal situação não há
quem possa avaliar um bom professor? Não precisamos aqui sequer entrar na
questão da fragmentação do conhecimento que faz de médicos, enfermeiros, advogados
etc. tornarem-se professores e acreditarem de todo coração que sabem tudo sobre
educação, aprendizagem e formação humana, muitos deles, sem nunca ter lido nada
sobre Pedagogia, ou mesmo sobre desenvolvimento humano. Pior ainda, vamos
rejeitar a possibilidade de analisar as fórmulas milagrosas dos economistas que
olham para a educação e acreditam que o número de alunos em sala de aula não
interfere na aprendizagem, e, fiquemos apenas com esta verdade: para avaliar é
preciso sempre saber mais, e ser virtuoso o suficiente para ser imparcial.
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