O Novo Humanismo


Nelson Soares dos Santos

 

Ao final das eleições todos os dirigentes partidários, jornalistas, colunistas, analistas fizeram análises e mais análises buscando as respostas a mesma pergunta: quem saiu maior das eleições de 2012?  Esperei que Fernando Henrique Cardoso publicasse seu artigo mensal por que tinha esperança de que alguém fizesse uma pergunta ainda não feita. Infelizmente, o velho sociólogo não atingiu minhas expectativas, pois também este restringiu seu pensamento a filosofia do poder. Chamo de filosofia do poder a ideia de que a busca pelo poder tornou-se um fim em si mesmo, levando todos aqueles que lidam com o poder a olhar os resultados apenas do ponto de vista de quem ganhou ou perdeu, e não das perspectivas de mudanças sociais possíveis que podem emergir das urnas. Ninguém se perguntou ( que eu tenha visto ou lido) se do ponto de vista das políticas públicas municipais, ou dos fundamentos que regem as políticas públicas municipais haverá algum tipo de conflito entre os entes federados ou mesmo uma discussão qualitativa que possa levar a novas ideias de como servir melhor a população.

Nas análises que surgiram, (e teve análises para todos os gostos), alguns dizem que o PT saiu-se vencedor, pois venceu em territórios antes dominados pela oposição como no caso de São Paulo; outros disseram que o PSDB e DEM se revitalizaram, devido às vitórias no Nordeste e no Norte, outros ainda alardearam Eduardo Campos como, o grande vencedor, e, até mesmo, possível candidato a presidente da República.  Uma análise interessante que ouvi em um dos telejornais foi de que não é possível ver vencedores pois a salada feita no processo de coligações impede tal leitura, e, creio que esta é uma análise que precisa de maior reflexão, pois as coligações foram uma verdadeira salada, e isto um fato indiscutível que nas eleições nacionais os partidos terão de reposicionar levados à disputa pelo poder central.

Não vejo que o PSDB e DEM se revitalizaram. O que pode ser visto é que o eleitor está se cansando do PT. A decepção vivida por tantos Ex-petistas como Marina, Heloisa Helena, Padre Roque, e tantos outros começa a chegar no inconsciente coletivo. No entanto, estes ex-petistas não conseguiram galvanizar para si, tal movimento, e os eleitores sentem-se perdidos e sem ter o que escolher. Também não se pode ver a vitória em São Paulo como sendo uma vitória do PT, antes, o cansaço do eleitor paulista com as gestões do PSDB, o desgaste de Gilberto Kassab, e a falta de nomes novos com plataformas e planos de governos consistentes que estivesse à altura do eleitor paulista. Na ausência de tudo isso, o eleitor paulista votou pelo pragmatismo.

Talvez a grande novidade destas eleições fosse o número de partidos de pequeno e médio porte que conquistaram importantes prefeituras. PC do B que vem em um crescimento consistente e constante a cada eleição; PPS, que apesar dos altos e baixos depois das experiências de “candidatos paraquedas” a presidência da república, e depois do Congresso de 2010 parece reencontrar o seu caminho com uma identidade ideológica e projeto de nação fundada no humanismo e no ambientalismo; e o PSOL, que criticado por sua estreiteza em fazer coligações, flexibilizou-se um pouco e logrou algum êxito com um novo mote de governar com um socialismo para o século XXI.

Dito isso, retorno ao que me levou a escrever este artigo. Quais planos de governo de fato diferiram do status quo que governa o país? Quais partidos ousaram apresentar uma plataforma e plano de governo que tivesse por trás das eleições municipais um projeto de nação? PT, PMDB, PDT e outros partidos menores sobre o arco de influência direta de Lula praticamente constituem-se hoje em um grande partido. Transformaram-se em uma quase fusão mantendo a aparência de independência. O PSB, por mais que tente apresentar alguma diferença, sobretudo nos discursos de Ciro Gomes ( que não é a voz preponderante do Partido), representa o mesmo modelo de Governo Lulista, tendo perdido a identidade socialista e se adequando totalmente a ideia do poder-mercadoria a ser negociado com o mercado. O PSDB e DEM não tem como representar uma possibilidade diferente do Lulismo, pois este para conquistar e manter o poder utilizou-se de estratégia para ocupar o espaço tradicionalmente ocupado por estes partidos, fundando a ação política em novo tipo de paternalismo, uma nova forma de política clientelista, e mesmo, uma tentativa nova de coronelismo com controle da mídia seja por meio do aparelhamento da máquina do estado pelo partido, ou por meio da retórica de seus líderes. Creio que esta é a explicação para o crescimento dos pequenos partidos. A esperança dos eleitores é que votando em novos atores seja possível surgir novas possibilidades do uso do poder, e que o poder deixe de ser um fim em si mesmo, como está se tornando desde os últimos pleitos, e seja colocado a serviço do bem estar coletivo.

A Filosofia do Poder e a nova tirania.

Creio que a oposição esquece a forma como o PT e seus aliados chegaram ao poder central, e por isso, erram no combate. Uma breve historiografia pode nos ajudar a entender. Primeiro o PT, por meio da retórica de Lula da silva, conseguiu tornar-se herdeiro das lutas libertárias iniciadas ainda no Governo Vargas e intensificadas durante a ditadura; segundo, conseguiu reunir em torno de si grandes intelectuais, sobretudo no campo das ciências humanas e da Educação, que dedicados a conhecer o povo brasileiro assentaram as bases de uma organização social fundada na democracia; terceiro, o PT relegou tais intelectuais ( primeiros os intelectuais que faziam ação politica – padre Roque, Frei Beto, Leonardo Boff,  - depois os políticos que ousavam pensar como intelectuais – Erundina, Heloisa Helena, Marina), e, então, o PT cedeu aos reclamos do mercado e da ganância, fugindo de sua identidade para obter o poder a qualquer custo. Foi a chamada carta aos brasileiros. Naquele momento, grande parte dos petistas que representavam o compromisso político do partido com as mudanças já eram vozes vencidas no interior do partido, e, quer queiram ou não, massa de manobra nas mãos de Lula e Dirceu.

Se Lula e o PT sentiram-se obrigados a render-se ao mercado contra o qual lutavam, foi justamente por não perceber tal movimento que a população em geral o elegeu, apesar dos gritos de Brizola que via mais uma vez o sonho de um país livre se perder. Uma vez eleitos, Lula e o PT, aderiram a filosofia do Poder, que nada mais é que a tirania, ou seja, o esforço de manter o poder a qualquer custo e de acreditar poder dispor da mente humana como bem lhe aprouver. O Mensalão e todos os escândalos de corrupção nada mais é que produto desta crença que é possível fazer tudo para manter o poder e que já não  há mais justiça senão a  vontade daqueles que governam. Iniciou-se a instalação de um processo de tirania por meio do aparelhamento da mídia, do sistema Educacional e da máquina do estado pelo partido. ( quem não se lembra dos absurdos contidos nos próprios livros didáticos?)

A educação, antes defendida pelo PT,  e pensada por Paulo Freire, Padre Roque, Moacir Gadotti, José Carlos Libâneo, Guiomar Namo de Melo; foi deixada em segundo plano. Não mais pedagogia crítica libertadora, não mais pedagogia progressista, não mais pedagogia crítico social dos conteúdos; o que restou foi  a transformação paulatina da educação em mercadoria, do aluno em cliente e a educação colocada como objeto de lucro de grandes grupos empresariais. A oposição a injustiça e a maldade foi colocada em segundo plano. A ética ficou esquecida em algum armário. Os homens do povo, incluindo os seus executores das políticas educacionais passaram a ver a natureza humana como algo a ser manipulado pelos seus instintos, e para isso, utilizaram-se do mais vil,  dos programas de inclusão social, que de instrumento de libertação tornaram-se instrumentos de manipulação das massas miseráveis.

Instalou-se por meio da retórica e da sofística de que basta triunfar na vida, mesmo que para isso seja preciso abandonar todos os princípios éticos, esquecer a injustiça e a maldade, escolhendo, portanto, ficar ao lado do mais forte. Diante disso, não é assustador os tipos de coligações que surgiram entre os partidos. A luta pela sobrevivência chegou a todos os pontos da sociedade organizada. Nem é tão assustador assim o nível de violência que está se produzindo. Em uma sociedade onde a ética e a justiça é deixada de lado, não existe mais limite para o mal e a vida perde o seu valor. A violência que está se estabelecendo em grandes centros não é mais apenas uma questão social, torna-se uma questão política por que falta a ética que define o que é o bem e o que é o mal.

O Novo Humanismo.

Contra a tirania da retórica e dos sofismas sem fundamentos nos quais se constituíram os fundamentos dos discursos de Lula e do PT, apenas uma sociedade cuja educação tem como fundamento a formação do espirito, e os cidadãos possuam a consciência de serem homens livres pode ter sucesso. É preciso portanto, que se instale um novo humanismo. Não é preciso muito para se ver que uma forma de tirania está sendo instalada no país como disse Werner Jaeger ao se comentar o pensamento platônico Os grandes retóricos partem praticamente de uma concepção da natureza humana, baseada no mero instinto. A sua grande ilusão é poderem fazer dos seus semelhantes o que lhes der na cabeça. Ainda que a maioria deles atue politicamente em Estados Democráticos, o seu ideal concide com os dos tiranos, que é o de dispor de um poder total sobre a vida e sobre a morte dentro do Estado. Até o cidadão mais modesto tem dentro de si esta necessidade de poder e sente no seu íntimo uma grande admiração por quem conseguem alcançá-lo neste grau supremo” (Jaeger, Wener;2011 p 659).

A pergunta que se coloca é: como construir novos caminhos quando a própria oposião encontra se perdida, admirada diante do supremo poder conquistado por Lula e seus asséclas? A resposta é a mesma de séculos atrás. Quando a tirania se instala é necessário restabelecer relações sociais humanistas. Foi assim na antiguidade grega, foi assim no renascimento e no Iluminismo. É hora de buscar a percepção do outro, mas, sobretudo a busca da visão do centro divino no ser humano. Um Novo Humanismo requer que coloquemos a tecnologia a serviço do ser humano, que a ética, a justiça, e a luta contra a maldade torne-se um compromisso político daqueles que possume a competência técnia para gerir a sociedade.

Um Novo Humanismo requer o restabelecimento de uma ética cujo centro seja o ser humano em sua essência. Uma ética onde educação e preservação do meio ambiente não sejam mercadorias de troca no mercado da luta pelo poder. Um Novo Humanismo exige que os homens públicos tenham coragem de colocar o exercício do poder como um meio e não como um fime em si mesmo, e tenham a coragem de permitir ao povo o exercício do pensamento livre e o direito de eleger novos governantes propiciando a alternância do poder.

 

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