O que um buscador de hoje pode aprender com Rousseau

Introdução
Que contribuições o pensamento de Rousseau pode trazer para nos ajudar a compreender a atualidade? Esta foi a questão que esteve em nossa mente durante a realização deste estudo e escrita deste pequeno texto. Não tem ele o objetivo e nem a pretensão de aprofundar a interpretação do pensamento do autor, tão somente, a partir da leitura dos seus textos buscar refletir sobre a atualidade, buscando compreender o homem, a vida em sociedade, e os problemas enfrentados pela sociedade moderna. Desta forma procura trazer uma visão geral da vida e do pensamento de Rousseau em dois dos seus aspectos que consideramos como preponderantes: a política e a Educação.
Rousseau foi um pensador do Iluminismo, mas concordamos com aqueles que já escreveram, que ele foi um Iluminista a parte. Se seu pensamento foi um dos pilares da Teoria Política e Educacional moderna, não se pode dizer que ele tenha contribuído para o fundamentalismo da razão iluminista que se instalou na pós-modernidade. Talvez o que o afastou dos demais iluministas foi justamente a visão futura da realidade, quando percebia pra onde a razão iluminista poderia direcionar os acontecimentos do mundo.
O homem de vida controvertida, que não cuidou dos filhos, que teve várias amantes, é o mesmo homem que escreve um dos maiores tratados de Educação de crianças na atualidade, e responsável pela revolução no conceito de criança que existia desde Pitágoras. Enquanto este pensava que a infância durava até os vinte anos de idade, ele dividiu o desenvolvimento humano em um maior número de fases, ao todo cinco: lactância de 0 a dois anos; infância de dois a doze anos; adolescência de 12 aos 15 anos; mocidade dos 15 aos 20 anos; e a partir dos vintes anos início da vida adulta.
No campo da Teoria Política não foi menor sua contribuição. Suas duas obras mais conhecidas, “ O contrato Social”, e “O discurso sobre a origem e os fundamentos das desigualdades entres os homens” lançou as bases da Democracia representativa, alimentos os ideais dos revolucionários franceses, influenciou o pensamento constitucional de Americanos, belgas, alemães, e Mexicanos dentre outros, ainda vigentes na Era Moderna. Era um liberal, fez uma escolha pelo liberalismo radical, no qual a liberdade do homem está acima de todas as convenções. É pro isso que se diz que caso ele estivesse vivo durante a revolução francesa certamente estaria ao lado de Robespierre e não ao lado dos moderados Girondinos.
Tendo influenciado a Revolução Francesa influenciou toda Teoria do Direito no Ocidente, o que hoje conhecemos como “Direitos Humanos” tem origem e fundamento nas idéias de Rousseau. Os fundamentos, sobretudo das constituições modernas, não seria o mesmo sem Rousseau e Montequieu. É na grandeza e na profundidade deste pensamento que queremos encontrar elementos explicativos de nossa realidade do Século XXI, em um momento em que a violência parece espalhar por todas as classes sociais, por todas as raças, países e faixas etárias. Em um momento no qual a própria humanidade encontra-se ameaçada pelo desenvolvimento da indústria, do capitalismo e de todas as idéias que prenunciavam uma era de ouro, mas que no final das contas fez aumentar o artificialismo, o amparar-se nas aparências, tornando a felicidade humana na terra uma quimera.
ROUSSEAU – O HOMEM.
Muitas biografias foram escritas sobre Rousseau, e ele mesmo escreveu suas “Confissões”. A nossa intenção é apenas pontuar algumas questões sobre sua vida e não uma pesquisa acurada dos fatos que a marcaram. Para isso será privilegiado aqueles pontos, que julgamos tiveram influência decisiva na construção do seu pensamento que, até os dias atuais, influencia as ações de políticos, educadores e filósofos.
Rousseau nasceu em Genebra, na Suíça em 28 de julho do ano de 1712. Ao longo da sua vida foi filósofo, teórico político, escritor e compositor musical auto-didata. Foi um dos mais ilustres pensadores do século XVIII, tendo sido considerado um dos Fundadores do Iluminismo e percursor da Filosofia Moderna, como também percursor do romantismo.
Dono de uma biografia agitada, Rousseau foi certamente o produto do seu tempo, no qual participou dos mais variados acontecimentos em vida, uma vez tendo passado pela transição suas obras se encarregaram de continuar influenciando o destino da humanidade de forma tão presente quanto em sua vida. Do ponto de vista da História do Misticismo, cabe lembrar que o nascimento de Rousseau deu-se quase 100 anos depois do primeiro manifesto publicado nas ruas de França pelos Rosacruzes. Jean Starobinski em sua obra “Rousseau: A transparência do obstáculo” ao esquadrinha o pensamento e a vida de Rousseau afirma que o mesmo realizou uma tentativa de purificar o conhecimento das cinzas da religião e do misticismo. Para este autor, a reflexão de Rousseau foi amarga pois ele teve de afrontar a perda de um mundo de transparência e ser condenado a viver em mundo regido pela propriedade e pelas Instituições.
O objetivo principal do pensamento de Rousseau foi esquadrinhar o homem em suas relações sociais, humanas e espirituais. Queria ele trazer luz aqueles que viviam nas sombras da ignorância e não compreendia como viver a vida, enfrentar a vida em um mundo onde se parecia viver o tempo todo acorrentado, pelas relações sociais, familiares e pelas instituições. Acorrentado pelas obrigações sociais e ao mesmo tempo sentindo-se abandonado pelas Instituições, é o que o mostra a sua infância. Tendo nascido de uma família simples, o pai era um relojoeiro, e mãe filha de uma pastor de Genebra, perdeu sua mãe logo ao nascer, seu irmão mais velho abandonou o lar um pouco depois, e, finalmente, após ver seu pai entrar em choque com as leis e costumes da cidade é deixado com seu Tio Bernard, um militar linha dura, do qual Rousseau pouco fala em suas confissões.
Não teve Educação regular, senão por poucos períodos, mas lia muito, e, durante algum tempo foi educado por um Pastor Protestante nos arredores de Genebra. Pouco se sabe sobre as tais leituras de Rousseau durante sua infância, no entanto, há de se depreender que tais leituras muito influenciaram a construção do seu pensamento posterior.
Tendo problemas de adaptação à sociedade ainda na infância, inclusive apanhado praticando pequenos roubos, aos dezessete anos perde pela terceira vez seguida o toque de recolher, e, não querendo ser punido por tal ato de desobediência social foge da sua cidade natal. Ao pedir ajuda a um padre católico este o encaminha a uma jovem senhora comprometida a ajudar os peregrinos com a pensão que recebida do Rei.
Com esta senhora, mais velha, ele vive durante dez anos, a quem chama de mãe, e também de amante. Anos depois vai para um seminário católico e abjura a fé prostestante, mas apesar disso, não se liga a ninguém e nem a nada. Anos depois volta a Anecy, e vive com Louise como amante até 1740. Neste período lê e começa a escrever muito, e, certamente prepara as bases do que será as linhas mestra do seu pensamento. Junto com outros Iluministas, sobretudo Diderot, Voltaire e D”alembert, escreve o verbete sobre música para a enciclopédia, embora, logo depois vai distanciar destes pensadores vivendo incidentes desagradáveis sobretudo com Hume e com Voltaire, este último torna público o abandono dos filhos por Rousseau.
Rousseau – O pensador Político.
O Principio fundamental de sua obra é a idéia do “Bom selvagem”. Segundo Rousseau, o homem nasce bom, a sociedade o corrompe. O homem nasce livre, a sociedade o acorrenta. Em sua primeira obra “ Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens” ela coloca ambos os princípios já de forma clara. Para ele, existe dois tipos básicos de desigualdades: uma natural, e outra, provocada pela forma e método pelos quais a sociedade se organiza.
Escritor perspicaz, não deixa de lado nenhum detalhe e assim inicia o capitulo dois da obra citada onde explica a origem do segundo tipo de desigualdade:
“O primeiro que tendo cercado um terreno se lembrou de dizer: isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: Livrai-vos de escutar este impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém”. Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de já não poder ficar como estavam: por que esta idéia de propriedade, dependendo muito de idéias anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito humano; foi preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a este último termo do estado de natureza”
Rousseau não escreve apenas como um homem que deseja esclarecer as pessoas de seu tempo, escreve com quem viaja ao passado mais remoto, e pretende ficar para um futuro longínquo. Assim percebe que a idéia da propriedade privada, fundamento do seu pensamento para explicar as desigualdades entre homens, é uma idéia que nasceu há séculos ou milênios passados, que se desenvolveu furtivamente nos corações dos homens, e, que uma vez tendo mostrado o seu aspecto pernicioso, já era tarde demais para ser detida. Discorre então, o Genebrino sobre os sofrimentos causados pela desigualdade, e sobre como a idéia da propriedade privada se imiscui nos corações humanos, criando opressores e oprimidos, súditos e senhores, homens livres e escravos, e, Governantes e Governados.
Primeiro, a terra que se torna propriedade privada, depois, a própria desigualdade natural que deveria ser o móvel da união entre os homens torna-se o espaço do jogo para a conquista do poder. O lado mais simples do ser humano, a beleza, a graça, o talento é afetado pela nova idéia que se surge, levando o homem a perder-se ainda mais no labirinto da busca de si mesmo. As leituras feitas da obra de Rousseau que não levam em conta a preocupação profunda que o move perde de vista o aspecto mais profícuo de seu pensamento – ajudar o homem a diminuir o sofrimento enquanto se vive na matéria. Ele não perdeu de vista os aspectos mais simples da vida cotidiana, as relações mais singelas, antes eram nelas que ele buscava o sentido mais profundo da existência humana, as marcas e causas do sofrimento e as possibilidades da felicidade plena. Expressa Rousseau:
“Eis todas as qualidades naturais postas em ação, o lugar e a sorte de cada homem estabelecidos, não somente sobre a quantidade dos bens e o poder de servir ou de prejudicar, mas sobre o espirito, a beleza, a força ou a habilidade, sobre o mérito ou os talentos; e, sendo estas qualidades as únicas que podiam atrair consideração, logo foi preciso tê-las ou afetá-las. Foi preciso, para vantagem própria, mostrar-se diferente daquilo que se era de fato. Ser e parecer tornaram-se duas coisas inteiramente diferentes; e, dessa distinção, surgiram o fausto imponente, a astúcia enganadora e todos os vícios que constituem o seu cortejo”.
Descortina-se, pois perante a mente de Rousseau como o desenvolvimento da sociedade civil leva ao surgimento de todos os tipos de sentimentos entre os homens, sobretudo os sentimentos da astúcia, a inveja, o desejo oculto de tirar proveito a custa de outrem e todos os males que advém quando o ser humano entende que é necessário ser velhaco, artificioso para garantir a sobrevivência. Os sinais de riqueza tornam-se sinais de distinção social e moral, levando aqueles que nada possuem a uma situação extrema de não ter-se nada a perder. O mal que de um lado incentiva aos mais fortes à exploração, força os fracos ao assalto, ao roubo e a delinquência. Instala-se a violência, e, pois a necessidade de um pacto social.
Em sua obra seguinte “ O contrato Social” o pensador Genebrino parece continuar sua luta por compreender o homem de seu tempo. Tendo já compreendido que a sociedade civil, - por meio do seu fundamento, a propriedade privada – foi a causadora de grande parte dos males humanos, a fonte da corrupção do ser humano, compreende então que ao nascer o homem vem ao mundo em seu estado primitivo chamado por ele de Estado de Natureza. E assim exclama: “O homem nasceu livre, e por toda a parte geme agrilhoado; o que julga ser senhor dos demais é de todos o maior escravo”. Ora veja, não é com os fracos e oprimidos que nosso pensador está preocupado, pois para ele, o problema não é a existência dos fracos e oprimidos, pois os fortes e ricos são também escravos de uma ordem que a todos oprime. A preocupação é encontrar o caminho para romper este circulo vicioso, e a todos libertar de tal jugo ignominioso.
Compreendendo Rousseau que a vida não involui, procura agora a solução para que na nova situação da existência humana – a sociedade civil tendo como fundamento a propriedade privada – os homens possam viver em harmonia de tal forma a existir o respeito entre os pares, onde cada um se sinta protegido e a vida não se torna uma guerra de todos contra todos. Eis pois em suas palavras a tarefa a que ele se propõe:
“Achar uma forma de sociedade que defenda e proteja com toda a força comum a pessoa e os bens de cada sócio, e pela qual, unindo-se cada um a todos, não obedeça todavia senão a si mesmo e fique tão livre como antes”.( p. 30)
Convencido de que o homem não está mais só no mundo, Rousseau busca na força da sociedade entre os homens, o caminho para solucionar os males provocados pelo nascimento da sociedade civil. Não podendo mais viver isolado, propõe ele o “Pacto Social”, ou “Contrato Social”, fruto de uma vontade geral constituída pela doação da vontade de cada um.
“ A natureza do ato determina de tal sorte as cláusulas do contrato, que a menor modificação as tornaria vãs e nulas; de modo que, não tendo sido talvez nunca em forma anunciadas, são por toda a parte as mesmas, por toda a parte admitida tacitamente e reconhecidas, até que, violado o pacto social, cada um torne a entrar em seus primitivos direitos e retorne a liberdade natural, perdendo a liberdade de convenção, à qual sacrificou a primeira.( ...) A alienação total de cada sócio, com todos os seus direitos, a toda a comunidade, pois, dando-se a cada um por inteiro, para todos é igual a condição, e, sendo ela para todos igual, ninguém se interessa em torná-la aos outros onerosa.” ( p. 30 -31)
O homem que dedicou sua vida a buscar uma forma de libertar o homem da opressão da vida na sociedade civil, pensa aqui ter encontrado uma grande solução, e, é a partir desta premissa que constrói todo seu pensamento político, e, mesmo os seus escritos sobre Educação. Do pacto social nasce o soberano particular, e a vida civil, e, da vida civil nasce o Contrato Social. Para que o pacto social tenha valor e constitua-se em Contrato Social é preciso que a vontade subjetiva dos cidadãos seja manifesta, para constituir-se a vontade geral, soberana sobre todas as vontades.
Eis que um problema surge na mente de Rousseau: estaria todos os homens no nível de inteligência necessária ao uso da razão e da inteligência para utilizar sua vontade particular, subjetiva de forma a construção de uma sociedade boa? Para isso, seria preciso que o homem tivesse suas faculdades desenvolvidas, idéias ampliadas, sentimentos nobres, de forma a não permitir em nenhum instante sua natureza retroceder ou degradar a condição de um animal estúpido e limitado, mas manter-se a dignidade do homem nobre e inteligente. Para ele, somente nesta condição de nobreza de sentimentos, de desejos e de alma, poderia o homem compreender por que deveria dar-se o melhor na construção da vontade geral, pois compreenderia assim o que ele estaria perdendo, e, muito mais, o que ganharia com tal perda ou alienação.
“ O que o homem perde com o contrato social é a liberdade natural e um direito sem limites a tudo que o tenta e pode atingir; ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo quanto possui. Para não vos enganardes nessas compensações, cumpre distinguir bem a liberdade civil, que é limitada pela vontade geral; e a possessão, que é só efeito da força, ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade que não pode ser fundada a não ser num título positivo” (p. 35).
Estava, pois, solucionado para Rousseau, os problemas da sociedade civil. Primeiro, buscava-se educar o homem para compreender a necessidade da construção de uma vontade geral, levando-o a entender que cada homem só tem direito àquilo que lhe é necessário; segundo, compreender que se deve respeitar não aquilo que é dos outros, mas tudo aquilo que não é nosso. Assim o contrato social, longe destruir a liberdade natural do homem, antes a confirmava e até mesmo a desigualdade natural existente entre eles:
“Em lugar de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, ao contrário uma igualdade moral e legítima a toda a desigualdade física, que entre os homens lançara a natureza, homens que podendo ser dessemelhantes na força, ou no engenho, tornam-se todos iguais por convenção e por direito”(p. 37b).
Doravante em seus escritos, o pensador Genebrino passa a enumerar estratégias, proceder análises históricas de sociedade como Roma, Grécia, etc, bem como idéias de pensadores que o precedeu, para indicar como os governantes de uma sociedade fundada em um Contrato Social, ou seja, uma Democracia possa evitar a degenerescência da sociedade política e da vida civil. Chama a atenção, ao pensar os dias atuais, o tratamento dado a censura. Veja a conclusão do autor:
“Entre todos os povos do mundo, não é a natureza, e sim a opinião que decide a escolha dos homens, e seus costumes por si mesmos se hão de apurar. Nós sempre amamos o belo, ou o que tal se nos afigura; mas ao julgá-lo nos iludimos, e este julgar é que importa dirigir. Quem julga os costumes julga a honra; e quem julga a honra, recebe a lei da opinião.” ( p.116b)
Para o autor Genebrino, está ai, a necessidade da censura em uma democracia moderna. No entanto, no seu tempo, século XVIII, o mundo da informação não era elitizado como nos dias atuais. O desenvolvimento do capitalismo, o processo de globalização só intensificou o diagnóstico que ele fez de uma sociedade fundada na sociedade privada, e como ele, no passado percebeu, o instrumento principal utilizado para se criar valor tem sido os desejos humanos, a escolha dos prazeres , no qual a opinião pública tem um papel fundamental sobre os homens. Já percebida no século XVIII, a maldade criada por sentimentos e desejos de superioridade, da velhacaria, da artificiosidade que cria valor sobre as coisas naturais, sobre o belo, e sobre talentos, tem no controle da informação uma possibilidade imensa de influir nos rumos da sociedade e da vontade geral de uma nação, criando desenvolvimento, paz e prosperidade, ou de outro lado, violência, guerras, assassínios e escuridão.
Assim que sendo a religião um espaço de formação de opinião, fica entendido na sua obra que a melhor religião é a religião natural. Isto por que via a necessidade de colocar em cada homem a possibilidade de comungar diretamente com seu Deus, não havendo pois necessidade de ouvir nenhum outro, que não fosse este Deus a quem adorava. Tal religião evitaria que homens com sucesso e poder temporal maior que outros, induzissem a multidão ao erro, desviando do bem, e degenerando a vontade geral. Termina assim, o seu texto, pregando a tolerância a todas as religiões como forma de se manter o equilíbrio social e a vontade geral, ao mesmo tempo que prenuncia a necessidade da independência de cada um dos indivíduos quando da necessidade de manifestar sua vontade individual e subjetiva.
O pensamento político de Rousseau e a vida moderna
Se existe uma coisa que concluo cada vez que leio, releio, medito e reflito sobre o pensamento de Rousseau, é que, cada sociedade, grupo social, país, cidade, nação é um produto diretamente proporcional a qualidade dos seus membros. Não posso compreender outra coisa do Pacto ou Contrato Social. Esta compreensão se reforça ao ler as “Confissões”, “Profissão de Fé de um Vigário Saboiano”, e, “O Emílio”, sendo esta última sua obra mais densa para se entender o papel do individuo na construção da ordem social.
Esta conclusão tem uma consequência introspectiva, quando me ponho a pensar sobre a vida moderna, ou a racionalidade moderna como queira denominar. Um dos grandes méritos do Pensador Genebrino é justamente esse: provocar. Por isso mesmo, seu pensamento atravessou séculos e continua não apenas a provocar, mas sobretudo a explicar a sociedade e os homens.
Em seu tempo, suas obras foram renegadas, anos depois de sua morte era lido em praça pública, e, durante a revolução francesa com o sinônimo da necessidade da revolução social e politica, como instrumento de conscientização das massas, para que estas buscassem libertar-se dos grilhões que a oprimiam. Influenciou pensadores políticos do séculos seguintes, esteve presente na formação de várias democracias modernas, como a Constituição Americana de 1776, que tem como princípio a Tolerância Religiosa e a laicidade do Estado. O aprofundamento do pensamento deste homem levou-nos a democracia representativa junto com a evolução da humanidade, da interligação entres os estados e os homens, o desenvolvimento da ciência, da tecnologia e do surgimento da revolução informacional que transformou definitivamente o método de formação da opinião pública, e, modificou a forma como se constrói desejos artificiais nos corações dos homens.
Desde que suas obras foram escritas o que era para ele pequenas sociedades, com a globalização, o desenvolvimento do capitalismo, o crescimento da artificiosidade entre os humanos tornou o planeta terra uma grande Sociedade Civil onde todos estão entrelaçados com todos. Hoje é um momento da história da humanidade em que a propriedade é quase a única norma definidora da riqueza , e, pode se dizer mais, que vivemos em uma época onde os sinais da riqueza estão tão profundamente ligados a matéria, e, desvinculado do espirito.
Entendido que a preocupação do Pensador Genebrino, era com a instituição da democracia, do contrato social levar o homem de volta ao seu estado de pureza e de crescimento intelectual, espiritual, físico e moral em plenitude, temos motivos para na atualidade olharmos com apreensão, e refletirmos profundamente sobre como romper com os males produzidos pela vida em sociedade. Educado por protestantes e, pelo que se tem escrito em suas biografias, não dado a reflexões místicas, Rousseau não ponderou sobre a influência da reencarnação, nem da vida após a morte sobre os rumos da democracia e das sociedades. Debruçou sobre o que acreditava ser o direito inalienável do homem – a liberdade politica, social, religiosa. Para ele, o homem nasce livre e deve ser essencialmente livre, e, se deve abrir mão de sua liberdade natural é unicamente com o objetivo de garanti-la em patamares superiores nos quais lhe propicie crescimento e desenvolvimento pleno.
Uma questão que certamente choca um estudioso deste autor na atualidade é a dimensão que a artificialidade tomou nas relações humanas. Hoje, quase nada é o que parece ser. O ser e as aparências se confundem de forma insofismável. É como se o verdadeiro Ser, estivesse nas profundidades do Eu de cada individuo, e que resta na sociedade é apenas um invólucro, uma falseamento da aparência do Eu. Desta forma, não se pode conceber em tal realidade nenhuma outra democracia que não seja um falseamento da realidade, ou mesmo, um falseamento das próprias aparências em um sobrepor infinito de artificialismos.
Apesar de a democracia ter se instalado, e, de alguma forma ter feito evoluir as relações entre os homens, pensando a partir da matriz rousseauniana, pode se dizer que, uma outra forma de escravidão ou acorrentamento se coloca sobre o homem pós século XXI. Este homem enfrenta o desafio de superar as diversas armadilhas das aparências, encontrar-se consigo mesmo, com sua vontade individual que o permita encontrar-se com o outro. O aprofundamento da artificialidade já denunciado no “Contrato Social”, gera na atualidade a maior forma de opressão, alimentada pela elitização do conhecimento, da informação útil e da compreensão da natureza.

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