O sono dos enforcados, ou a Roda do Destino
Nelson Soares dos Santos
Recebi
nesta semana, diversas perguntas de ex-alunos que por coincidência tratava da
mesma questão: Por que existe tanta injustiça? Por que alguns trabalham tanto e
outros parecem levar o lucro? O que fazer para tornar este mundo um lugar
melhor para se viver? O que fazer para tornar-se melhor? Por que existe tanta
gente com tanto conhecimento de como fazer o mundo melhor e não fazem nada de
prático para melhorá-lo? Por que existe tanta pobreza e miséria no mundo? Por
que a educação nunca muda e a ignorância parece cada vez mais reinar absoluta?
É
claro que nem de longe me atreveria a dar respostas a questões de teor tão
profundo que carregam em si outras questões que levam a indagação do sentido da
vida, do por que estamos aqui no planeta terra, neste tempo, nesta época etc. O
que pretendo fazer é elaborar algumas reflexões que possam nos ajudar a pensar
de forma certa sobre o assunto. Na verdade é que todas estas perguntas nos
remete a grande pergunta de nossa existência: Por que estamos aqui? De onde
viemos? Para onde vamos? E, mais ainda, qual o sentido de tudo que fazemos aqui
e agora? Aqueles que trabalham em dois ou três empregos e sentem-se
injustiçados pelos chefes a pergunta correta, creio eu é: Por que eu trabalho
todos os dias? O que me leva ao trabalho, o que me levou a buscar e lutar para
que tivesse dois ou três trabalhos? Que tipos de recompensa esperam? São estas
perguntas que podem levar a pergunta essencial: Por que estamos aqui?
Caso
a pessoa que têm dois, três empregos ponderassem um pouco veria que o seu
questionamento sobre por que tem que suportar três chefes ruins soaria como
arrogância e pedantismo para aqueles desesperados que não conseguem sequer um
único emprego e que já não conseguem o próprio sustento; de outro lado,
pareceria pueril e tolo para aquele que tendo apenas um emprego e trabalhando
apenas um terço do tempo consegue amealhar mais vantagens financeiras. Tais
pessoas refletissem sobre o próprio trabalho e conseguissem ver além do
vencimento no final do mês, um processo de interação com o universo e tudo
ficaria mais fácil de compreender. Sim, pois olhando para este lado, estamos o
tempo todo trabalhando, negociando, fazendo contratos e buscando resultados. A
questão central está em como lidamos com o nosso egoísmo e a forma pela qual
colocamos nossas intenções. Nilton Bonder em sua obra “A cabala do dinheiro”
tem uma versão interessante sobre a questão
ao dizer que contrato é toda a forma de envolvimento e interação – “ O
melhor contrato é o do justo que usufrui a situação da vida na medida
certa: honrando quem é e os limites de quem é. (Bonder, 1991; p.132). Olhando
por esta visão o problema nunca estará no chefe e sim nas razões e intenções
que nos leva a usufruir da situação vivida.
Outra
pergunta que insiste em se repetir é: Por que das injustiças? Afinal o que
chamamos de injustiça é mesmo injustiças? Os pensadores materialistas vêem na organização social uma
ordem injusta, e, ao lutar contra tal ordem buscam-se colocar como sábios que
guiam a sociedade a um processo de conscientização que levará a humanidade a
uma ordem não consumista e igualitária. Esquecem, porém que para cada homem
consciente no mundo existe um bilhão de tolos – como afirma no seu livro o
Rabino Michale Laitmam; e quando se esquecem disso, o que conseguem é implantar
governos totalitários, por que da mesma forma regidos pelo egoísmo, a inveja e
a comparação de um homem com outro homem. Portanto, a pergunta que se deve
fazer não é por que isso é injusto ou não; mas afinal, o que é a justiça para
os nossos dias? A mesma pergunta feita há séculos pelos grandes filósofos desde
Platão e Aristóteles volta a nos incomodar. Algo nos impele para que saiamos do
mundo das aparências, das cavernas cujas paredes tornam-se cada vez mais
espessas, e a subida para a luz cada vez mais difícil.
Também
Nilton Bonder citando mais uma vez um rabino judeu escreve :
“Temos que ser capazes de
ver o sutil ( Gênesis Raba X), de ver os anjos enquanto influenciam o
crescimento de cada lâmina de grama no chão. Temos que vê-los enquanto
postam-se ao seu lado e lhe incentivam: cresce, cresce! Enquanto não
conseguimos perceber esta dimensão de ordem, enquanto não mergulharmos mais
profundamente na sutileza das situações em que nos encontramos, continuamos
presas do paradoxo e portanto imobilizados. Nossa percepção deve ser checadas
com a acuidade de quem percebe no crescimento das plantas, de tudo, energias
que ao seu lado lhe incentivam. Se vistos com estes “olhos”, então “justo”
talvez tenha um significado diferente e similarmente “perverso”, “bom” e “ruim” também.”(Bonder,
1991; p. 56)
Não se trata pois, de se perguntar por
que isso ou aquilo é injusto, mas, o que é a justiça. Afinal, o que vemos como
justiça na verdade pode ser a mais cruel das injustiças, o que vemos e cremos
ser bom pode ser a maior expressão do mal. Bondade e maldade, justiça e
injustiça aparentemente parecem se misturar em um mundo no qual reina a razão
egoísta. Sim, vivemos em um tempo de uma razão profundamente egoísta e isso é o
que explica o crescimento da violência, da corrupção, da desonestidade. Ser
rico passou a se confundir com tornar-se rico, honestidade é confundida com
aprovação popular e altruísmo se transformou em arma para realizar os mais
profundos desejos egoístas. Enquanto isso, o respeito aos outros e a busca
desinteressada pelo conhecimento e sabedoria são deixados em segundo plano.
O mundo que vivemos é o mundo mais
coletivista e interdependente, porém, pautado por uma razão individualista e
egoísta de tal forma que o sonho de todo comerciante é receber o dinheiro e não
entregar a mercadoria, e, do comprador, receber a mercadoria e não pagar por
ela. É um mundo de roubo e trapaça, cuja moeda maior, ainda é o tempo. É no uso
do tempo que está o instante de distinção de interação entre os indivíduos. O
individuo que de fato quer tornar-se melhor deve se perguntar como está
utilizando o próprio tempo, e quais são suas verdadeiras intenções. Na verdade,
aquele terceiro emprego pode ser o inferno; aquele namorado, aquele casamento
que se anseia pode ser o pior uso possível a ser feito do tempo, se as razões
pelas quais se busca não forem razões altruístas verdadeiras. Pior, aquela
caridade que é feita todos os fins de semana pode ser a razão de todas as
desgraças.
A saída possível ainda é a mesma nos dada por
Sócratres a milênios passados: o autoconhecimento. Não existe outro caminho,
não existe outra saída. Apenas o conhecimento de si mesmo como conhecimento de
todo universo e cuidado de si como enriquecimento de toda a humanidade pode nos
levar aquela paz tão procurada, tão sonhada e invejada dos que a têm. E este
caminho passa por enfrentar as cavernas, que em nossa atualidade já não está
mais fora, mas dentro de nosso ser. Escavar na escuridão é o trabalho que
devemos nos impor para que possamos entender o caminho que procuramos.
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