Corrupção IV – As formas e caracterização


Nelson Soares dos Santos

Marquês de Maricá disse certa vez que não é possível existir um governo honesto que represente um povo corrupto. Outro dia, li em uma página de jornal que o povo brasileiro é um povo corrupto lutando por um governo honesto. Lula, quando ainda não era presidente disse, certa vez, que no congresso tinha no mínimo 300 picaretas, na época isso era mais que toda base de sustentação do governo FHC. No governo Lula serviu-se, pelo menos da metade destes picaretas para conseguir montar uma base que lhe desse condições de governar. Coloco tais afirmações na introdução como forma de primeiro responder os comentários de alguns internautas irados que  disseram ter sido besteira eu tentar imaginar que na marcha contra a corrupção teria muitos corruptos, e quiçá, ocorreria formas de corrupção. Para não entrar na questão propriamente dita, deixo aqui neste artigo, novamente, o conceito de corrupção e as formas e características de como ela aparece.
Primeira coisa que precisa ser compreendida, se queremos mesmos combater a corrupção, é perceber que a corrupção não é um ente concreto, independente. A Corrupção é mais um fenômeno que se manifesta pela conjunção de diversos vícios presentes nos indivíduos singulares e que é preciso estar presente em um grande número de pessoas para que venha se manifestar. Isto quer dizer que não existe governo corrupto, estado corrupto, etc, o que existe são pessoas que exercem o poder de forma corrupta, fazem leis corruptas ou que favorecem a manifestação da corrupção.
A segundas coisa, é que é preciso compreender as formas como este fenômeno chamado corrupção se manifesta. A  folha de São Paulo, na tentativa de colaborar com a luta contra a corrupção[1] publicou uma reportagem especial com o título “ O custo da Corrupção”, onde dentre inúmeros dados, mostra que o Brasil perde a cada ano o orçamento da Bolívia, o que é uma média de seis bilhões por ano. No mesmo artigo, a  Folha julga apresentar tudo sobre a corrupção com um artigo tendo por titulo “ o Be, a Bá da corrupção”, embora não concorde que ali está tudo que é preciso saber sobre a corrupção, constitui um bom primeiro passo para que possamos refletir e compreender por que é tão difícil combater a corrupção e por que as marchas podem ser mecanismos ineficientes no processo. A folha apresenta, então 13 formas de comportamento, que segundo os autores são típicas formas de corrupção.
1.           O suborno – é definido pela folha como “ Promessa ou pagamento em dinheiro ou qualquer outro bem a autoridades,  governantes ou funcionário públicos ou da iniciativa privada para obter vantagem ilegalmente.  A cobrança ou a aceitação do dinheiro são crimes”. A idéia que as pessoas tem feito é que o suborno acontece apenas nos grandes escândalos de corrupção, quando na verdade, no cotidiano acontece mais do que a gente é capaz de imaginar. O pior tipo de suborno é aquele que vem acompanhado de chantagem emocional, onde, se você não aceita a sua reputação corre riscos. É o que acontece entre profissionais liberais e seus clientes. Imagine um médico sendo assediado e subornado para que dê um atestado a um individuo quando este nunca esteve doente, e podes compreender. E no dia a dia, isso acontece o tempo inteiro. O mesmo ocorre entre professor e aluno, advogado e clientes; e, por que não, entre governantes e governados.
2.           O segundo é o Nepotismo, definido pela folha como “ favorecimento de parentes na concessão de cargos e promoção no funcionalismo público”. Não é uma definição ruim, mas poderíamos acrescentar favorecimento de amigos, e não apenas no funcionalismo, como também nas licitações, nas compras e todas as formas de relacionamento entre governo e indivíduos e empresas. O caracteriza o nepotismo é a existência do afeto, que é colocado acima da eficiência e da produtividade. Na iniciativa privada, impede o crescimento da empresa, mas seria o empresário a pagar o preço, no público, quem paga o preço são todos os cidadãos.
3.           O terceiro é o clientelismo definido como compra de votos por favores e ou dinheiro. O clientelismo, no entanto, pode ser visto como muito mais que isso. É uma deformação do uso do dinheiro. Tem gente que tudo que tem ao lado dele é comprado com dinheiro. Amigos, mulheres, homens, tudo só é possuído pelo preço pago em moeda. Esta é uma forma triste de corrupção, tanto para o corrupto como para o corruptor por que definha  vida. E pior, é uma forma que está muito mais difundida do que parece. O apadrinhamento e o clientelismo, move hoje, a maioria das instituições da sociedade civil.
4.           O peculato é o desvio de dinheiro ou bens em benefício próprio ou alheio. Uma vez mais todos olham para o político, mas toda vez que se leva uma caneta do local de trabalho é crime de peculato. O uso do carro da empresa ou do governo para buscar o filho na escola, ( e tem gente que usa para ir para praia); o uso do telefone  da empresa para resolver problemas pessoais (é costume você ligar para um funcionário público e ouvir, “deixa que eu retorno ai pra você); e tantos outros costumes que são tidos como normais.
5.           Caixa dois ou dinheiro não contabilizado, é outro mal que aparece como sendo típico dos políticos, no entanto, só é possível existir havendo pessoas de empresas ou da sociedade civil envolvida. Na verdade, toda vez que deixamos de declarar qualquer dinheiro ao imposto de renda, ou aos órgãos de fiscalização está se fazendo caixa dois. É claro que é mais comum nas empresas, e que utilizam as campanhas de políticos corruptos para usar o dinheiro sem correr o risco de ser flagrado pelos órgãos da fiscalização. Neste caso está intimamente ligado ao superfaturamento das obras públicas.
6.           Tráfico de Influência. Este, embora definido com sendo algo envolvendo a coisa pública, no Brasil é tido como tão normal que a mais popular forma de aparecer é na frase “Você sabe com quem você está falando”?. Ora, qualquer um que expressa esta frase é um corrupto por que ao pronunciá-la está tentando usar a força da posição para resolver um problema que naturalmente não precisa ser identificado como tal. É o caso do juiz bêbado,  dirigindo sem carteira parado em um acesso controlado; o policial a paisana quando se sente não atendido a contento, o aluno, que pensa que ao pagar a faculdade ou por que tem dinheiro, necessita tratamento especial. E assim, são tantos os casos, que poderíamos escrever cem páginas sobre isso.
7.           O  laranja, definido como empresa ou pessoa utilizada para dar uma fachada legal, a um negócio ilegal. Olhando mais profundamente, vamos considerar que seria colocar uma mascara para esconder a realidade. Neste sentido, poder-se-ia ir longe, falando do que significa esta questão nas relações sociais.
8.           Fraude. No serviço público a principal forma de fraude acontece no superfaturamento das obras. A verdade é que  fraude pode ser definida como aquilo que é menos do que se é na realidade. Neste sentido, tem muita gente na sociedade nos nossos dias que são uma fraude ambulante. Tem professor que não sabe metade do que deveria saber; tem advogado que é uma fraude, jamais deveria ter carteira da OAB, tem faculdade, Universidade que são uma fraude, uma vez que cobram por serviços que jamais são entregues.
9.           A venda de sentença ou de decisões. Esta é uma forma imputada ao judiciário, no entanto, toda vez que não decidimos de acordo com que acreditamos ser o justo meio estamos de alguma forma ou fraudando ou vendendo a nosso poder de tomar decisão. Imagina o aluno que recebe uma nota superfaturada, a banca que dá um titulo a alguém por compadrio, o funcionário que é contratado por qualquer outra razão senão a competência para a função, se são ou não são uma forma de vender, por alguma razão o nosso poder de tomar decisões?
10.        O conluio. No serviço público é conhecido como sendo feito por empresários para fraudar as licitações. Pode ser muito mais que isso. Hoje, convivemos e enfrentamos conluio o tempo todo. Os médicos que fazem conluio para fraudar os planos de saúde; funcionários públicos que fazem conluio para se protegerem entre si, na desonestidade de cada dia; e assim, inúmeros casos dos quais todos sabemos e convivemos diariamente.
11.        Improbidade  Administrativa. Tem sido aplicada pela mídia apenas a coisa pública, mas poderíamos falar apenas em improbidade. O contrário de probidade significa toda ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdades nas instituições. Veja que pode ser aplicado a qualquer Instituições, mesmos naquelas sem fins lucrativos e ou religiosas.
12.        E por último, o enriquecimento ilícito. Tudo aquilo que gera riqueza fora das regras do jogo poderia aqui ser considerado como ilícito. Aí vem os exemplos: a tentativa de não pagar aquela taxa que você pode pagar mas que é gratuito para aqueles que não podem pagar é o exemplo que resume todos os outros. Ou seja, é ilícito todo enriquecimento gerado pela desonestidade e deslealdades.
No mesmo especial da folha, há alguns dados que os defensores de marchas contra a corrupção deveriam ler com bastante atenção. Os escândalos de corrupção dos últimos vinte anos, o fato de que os analistas afirmarem que as leis brasileiras favorecem a corrupção; a afirmação do senador pelo PMDB de que a corrupção e a bandalheira começam no processo eleitoral na relação candidato eleitor; e, pasmem, o fato de que dos 513 deputados e 81 senadores, mais de 60% já estiveram envolvidos ou foram acusados de estar envolvidos em alguma forma de corrupção. Só na chamada máfia dos sanguessugas, esteve envolvidos mais de cem parlamentares.
Por tudo isso, é que falar de combate a corrupção precisa ser muito mais que marcha e vassouras. Os homens que desejam mesmo uma sociedade com mais honestidade precisa começar nas próprias relações, e digo mesmo, nas relações familiares; tendo coragem de enfrentar as situações do cotidiano com coragem, mesmo quando se sabe que elas haverão de causar prejuízos financeiros. Não dá mais para que continuemos a fazer qualquer negócio para manter a posição, o emprego, as amizades. Pautar a vida por um caminho virtuoso é a verdadeira forma de combater a corrupção.

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