Corrupção II – A questão da forma e das responsabilidades.
Nelson Soares dos Santos
“O universo está ligado de todas as maneiras pelo vínculo das formas: antes de mais nada, a matéria às formas dos elementos; depois, as formas as outras formas e depois às outras ainda, novamente; daí se revela dificil encontrar a matéria encerrada sobre tantas formas. Mas, como também a matéria é uma certa forma – ínfima - , este nosso mundo é completamente forma, e forma são as coisas do universo, pois o modelo já era forma”. Plotino.
Quando falamos que é preciso questionar as campanhas contra a corrupção, estamos mais do que tentando estabelecer contraponto ou discussão inútil, queremos entender, e se possível compreender, primeiro se é possível combater a corrupção; segundo, se é possível, quais caminhos e métodos podem ter sucesso nesta empreitada. Esta preocupação ocupa a nossa mente na medida em que a mídia tem colocado corrupção inerente ao ato ou comportamento político, e, pior, reduzindo o ato e o comportamento político aos atos e comportamentos dos políticos profissionais.
Há que primeiro entender,compreender, e buscar as fontes e raízes que faz tal mal existir. A idéia é comportar-se como médico, buscar o diagnóstico exato para aplicar o remédio correto. Neste sentido, faz sentido a frase de Plotino utilizada neste texto. É preciso entender, antes da mais nada que as coisas, os fatos, estão interligados, e falando de modo empírico, o processo de globalização do mundo e a mundialização do capital tornou esta verdade aplicável não apenas do ponto de vista metafísico, mas também nos aspectos éticos e econômicos. Parodiando Plotino, o que chamamos de corrupção está ligado à todas as formas, todas as pessoas, e, todos os lugares. Para compreender isso, temos de investigar mais o que é corrupção.
A palavra corrupção vem do latim que significa quebrar em pedaços, apodrecer. Uma pessoa, instituição, ou sistema corrupto seria então uma sistema podre, quebrado em pedaços, em processo de degeneração. Neste sentido, a forma como tem sido combatido a corrupção torna-se inútil e ineficiente. Afinal, a corrupção não aparece aos nossos olhos como um ente, um ser que retirando do sistema, ou da Instituição esta volte ao seu estado original. Ilustrando, não adianta prender alguns políticos por que a corrupção não é a mesma coisa que políticos corruptos, corrupção é o apodrecimento do próprio sistema político. A questão que se põe é se o sistema político de um país é, apenas, uma parte de um sistema-mundo globalizado as mudanças devem ser de cunho ainda mais profundo para que venha surtir efeitos. No entanto, imaginando que um pais pudesse manter se incólume as influências corruptoras externas do sistema mundo ainda assim seria preciso entender como corrupção se manifesta para, possivelmente compreender suas causas.
Já se disse portanto que não se pode confundir pessoas corruptas com a corrupção, no entanto, pode se argumentar que se estas pessoas são personalidades públicas, elas não representam apenas elas mesmas, mas um grupo social que se identifica com suas idéias e seu comportamento; o que justificaria uma punição forte a estas pessoas como meio de combater a corrupção. Isso levaria a concluir que se não podemos concluir que a corrupção se confunde com as pessoas, podemos no entanto, considerar que a corrupção se manifesta nas pessoas por meio do comportamento. Sendo assim, o homem público ou personalidade pública condensaria em si um comportamento que precisa ser combatido e condenado. O número de escândalos ocorridos no Brasil nos últimos anos parece ser um dado empírico que coloca por terra tal argumento. Quanto mais se fiscaliza mais escândalos aparece, o que mostra, de outro lado que a corrupção tem se manifestado no comportamento dos políticos por que estes têm sido mais fiscalizados nos últimos anos.
Outro dado empírico que parece corroborar tal argumento é o fato de que estes mesmos políticos tem os seus mandatos cassados, são publicamente execrados, muitas vezes chegam a freqüentar presídios; alguns assassinos confessos, e, na eleição seguinte são reconduzidos aos meus cargos dos quais foram cassados por atos corruptos. E, neste caso ainda retorna, desafiando em alto e bom som, aqueles que os cassaram, afirmando terem sido absolvidos pelas urnas. Ora, os eleitores que neles votaram, certamente tiveram acesso as notícias de que eles eram corruptos, as equipes de campanha que não se negaram a ajudar Elegê-los, os empresários que não titubearam em financiá-los, e, até mesmos os “representantes” de Deus na terra que em algum momento não se negaram a abençoá-los são no mínimo cúmplices e participantes dos atos e crimes por eles cometidos.
Dado estes fatores, a corrupção que se manifesta no comportamento dos governantes não é um ato ou comportamento arbitrário, é apenas uma manifestação de algo que está presente no conjunto da sociedade que o aceita como seu representante, ou mesmo, na possibilidade de uma pessoa ou cidadão com ficha criminal venha se tornar um representante no interior do sistema político. O ápice do apodrecimento será quando e se acontecer, de criminosos condenados requerer o direito de voto e o direito de ter representantes no parlamento como respeito a diversidade de escolhas de como viver o livre arbítrio.
A corrupção, portanto, não pode ser confundida com pessoas, mas como manifestada nas pessoas. E este mesmo argumento pode ser estendido às Instituições, como igrejas, religiões, e, os partidos políticos. Embora a corrupção se manifeste mais fortemente nos partidos políticos ela não é fruto dos partidos políticos, nestes, a manifestação é maior unicamente devido a forma como se instaura a disputa pelo poder. De formas mais suaves é possível exemplificar a manifestação da corrupção nas igrejas, no lazer, nas famílias, e, nos relacionamentos. Ou seja, todas as formas de comportamento, são, na atualidade espaço de manifestação de corrupção.
Isso é possível por que existe uma ligação entre indivíduos, instituições e sistema. Tudo está interligado. Nos dias atuais, inclusive, estas ligações estão ficando cada vez mais intimas, por exemplo, entre as religiões, os partidos políticos e poder público. Na sua expressão maior, tem sido visto como normal a existência de bancadas religiosas nas câmaras legislativas, e, religiões tentando emplacar seus quadros como futuros governantes de estados e municípios. Juntamente com isso cresce os escândalos políticos envolvendo religiosos como em um dos últimos escandaloso onde 16 deputados evangélicos e representantes, praticamente oficiais, de suas Igrejas estavam envolvidos em desvios de verbas.
Por tudo isso, parece-me que o combate a corrupção deve ter um ponto de partida bem diferente daquele que tem sido escolhido pelas lideranças e instituições que estão escolhendo combatê-la. O primeiro passo é mergulhar em um processo educativo dos seus quadros, uma vez que vai ficando claro que só será possível combater a corrupção subvertendo o modelo do sistêmico atual. Tal educação deve ser dar pela compreensão da ligação de todas as formas, conforme, o pensamento de Plotino, ou mesmo, entendendo que este é um mal que se lido pela perspectiva marxiana deverá valorizar o conceito de totalidade e alienação, e não os conceitos de trabalho, mais valia, etc. A corrupção não é um ser, uma doença, é algo que se manifesta por meio das escolhas humanas. É portanto, um problema moral. E enquanto problema moral só pode ser combatido aumentando a consciência e a responsabilidade moral dos cidadãos.
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