Kadafi, Os direitos Humanos, o Delegado de Campos Belos e a necessidade de um novo Pacto Social.



Nelson Soares dos Santos

Nos últimos dias, dois acontecimentos chamaram muito minha atenção. O primeiro, a morte do Líder Líbio, de alcance mundial; o segundo, um incidente ocorrido durante a aplicação da prova do ENEM ( Exame Nacional do Ensino Médio), na cidade de Campos Belos, minha terra natal. Os dois acontecimentos têm em comum uma palavra: Liberdade. Nos dois acontecimentos a justificativa é realizada por meio do uso da palavra liberdade. Que liberdade é esta que utilizada por alguns dá espaço e justifica abuso de poder e até mesmo assassinatos?

A Líbia que foi destruída.

Junto com Muamar Kadafi, morreu uma Líbia, e não se pode esperar e nem saber qual Líbia nascerá de tal destruição. As fotos, os vídeos, mostrando a morte do líder ditador, são horríveis e beira a crueldade. Ele não era um santo, mas todos aqueles que comemoraram sua morte e a forma como se deu, parece terem se esquecido de uma coisa: Ele ainda era um ser humano.
O grande problema da atualidade é que parece haver uma irracionalidade no tratamento de determinadas questões. E quando vejo professores Universitários, filósofos, e letrados mundo a fora comemorando a morte e a forma como ela se deu, proclamando orgulhosamente como ação do Ocidente Civilizado, alguma coisa parece estar errada. A defesa da liberdade e da democracia parece estar tomando caminhos jamais imaginados pelos antigos. O que diria Alex de Tocqueville, Montesquieu, Rousseau, Thomas Jefferson e mesmo o mais conservador se ouvisse as palavras da Secretária de Estado Americano falando sobre a morte do líder líbio. Certamente, eles se perguntariam se e onde estes novos líderes aprenderam sobre democracia e liberdade.
A defesa de liberdade dos antigos e o esforço por uma sociedade democrática não permitia jamais, o assassinato seja sob quaisquer de suas formas. Os direitos humanos proclamados baseavam-se na racionalidade, no uso da razão, era esta a que caracterizava o conceito de pessoa humana. Mesmo que alguns possam alegar que no passado os índios não eram visto como pessoas, ainda assim, tal caracterização seguia o ponto de vista de uso metódico da razão. No caso da atualidade, isso sequer pode ser aplicado. A líbia possui todo um sistema de Universidades, escolas, pesquisas científica respeitadas, que são um dos sinais do uso público da razão, portanto, nenhum líbio pode jamais ser considerado como não pessoas, como quis de forma progressista justificar um famoso intelectual americano.
O uso do conceito de liberdade e democracia para justificar o abuso do poder, os assassinatos e todas as formas de crueldade só pode ser explicado pelo absolutismo do individuo contra o coletivo. Não foi o povo americano a comemorar, não foi a consciência racional dos americanos ou dos ocidentais a comemorar; foi no máximo uma consciência alienada, manipulada pelos fundamentos de desejos egoístas que passam a ser compartilhados coletivamente.
Não consigo crer que a maioria do povo líbio estava tão insatisfeita assim com seu governante, o mesmo que tirou o país do isolamento e conseguiu melhorar a renda e os programas sociais. Da mesma forma, que nas eleições mais democratas nos países, dito democratas, as decisões já não são mais tomadas pela maioria. Na última eleição americana, e no Brasil, o nível de abstenção foi tão alto, que poderiam ser questionadas a validade do resultado conforme a defesa de que um governo democrata precisa representar a vontade da maioria. Há uma irracionalidade em curso que arrasta a todos a subserviência aos desejos individuais e egoístas, e, mesmo aqueles que ainda utilizam alguma racionalidade preferem ficar calados para não terem prejuízos sociais.

O Delegado de Campos Belos Goiás e o ENEM.

Também em Goiás, em uma cidade chamada Campos Belos, encravada no Nordeste Goiano, um homem do sistema de governo utilizaram a palavra liberdade para quebrar as regras, e fazer valer o interesse individual sobre os interesses coletivos, a organização, a ordem e a disciplina. Trata-se de um Promotor de Justiça e de um Delegado de Polícia que forçaram a entrada de um aluno que chegou atrasado para fazer a prova do ENEM. Utilizaram-se do pretexto de que o aluno possui “livre acesso a escola”, e portanto, indiscriminadamente a palavra liberdade, ou direito de ir e vir ( fundamento dos direitos humanos), para abusar do poder e privilegiar um individuo em detrimento da ordem e do bom funcionamento da governança.
O que impressiona, é que tanto um quanto outro, é pessoa ilustrada, ou pelo menos deveria sê-lo, e que não sendo coloca em questão que tipo de formação as universidades andam ofertando aqueles que passam por ela e saem diplomados. Parece que há mesmo uma irracional interpretação e leitura dos textos antigos. Utilizar a expressão “direito de livre acesso” para justificar em nome da lei a desobediência a questões simples do processo civilizatório, se não for racionalidade, só pode mesmo ser explicada por um absolutismo do individuo contra o coletivo.
A questão que se coloca é que se o individuo tem direito a tudo, e o coletivo tem direito a nada, destrói-se a própria idéia de comunidade, coletivo, estado, país, nação. É por estas e outras razões que em um artigo anterior comecei a defender que está chegando a hora de se construir e ou discutir um novo pacto social. Repensar o papel do individuo, a idéia de felicidade, de moralidade. Tal reflexão na medida em que levará a construção de um novo pacto social, levará a construção de um novo pacto entre as nações, e um novo redimensionamento da história humana na terra.

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