CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O DOCUMENTO “DIRETRIZES DO PACTO PELA EDUCAÇÃO: REFORMA EDUCACIONAL GOIANA – SETEMBRO DE 2011
(Versão , atualizada e revisada pelo autor)
CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O
DOCUMENTO “DIRETRIZES DO PACTO PELA EDUCAÇÃO: REFORMA EDUCACIONAL GOIANA –
SETEMBRO DE 2011
José
Carlos Libâneo, doutor em educação, professor titular da PUC Goiás.
1. Visão geral do documento: Diretrizes
do Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana
Em primeiro lugar, gostaria de
acreditar que o projeto de reforma educacional goiana fosse, de fato, uma
iniciativa de educação para todos, na busca de políticas públicas de
recuperação da escola pública goiana no sentido de melhores resultados da aprendizagem
escolar dos alunos e que ao menos sua formulação final contasse com a
participação dos professores e dirigentes escolares e dos setores da sociedade
envolvidos com os destinos da escola pública.
É conhecida a precariedade da escola
brasileira. Os resultados das aprendizagens mostrados nas estatísticas oficiais
são medíocres. Em Goiás a situação não é diferente. Precisamente para enfrentar
esses maus resultados o governo do estado e a secretaria da educação lançaram pela
imprensa (5/9/2011) um programa ambicioso de mudanças na educação goiana. O
documento denominado Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional
Goiana apresenta cinco pilares estratégicos, metas gerais e 25 iniciativas
referentes a cada pilar, mas não traz uma exposição de motivos que justificam
as Diretrizes. No entanto, uma análise das metas, estratégias e ações propostas
não deixa dúvidas de que se trata de um modelo de intervenção diretamente
inspirado na proposta dos organismos internacionais (Banco Mundial, OCDE,
UNESCO, etc.) para a escola de países em desenvolvimento[1].
No seu conjunto, as Diretrizes do governo goiano para a educação são uma
reprodução clara da visão neoliberal economicista da educação que, basicamente,
corresponde a uma política de resultados, com base na melhoria de indicadores
quantitativos de eficiência do sistema escolar. Tal como já ocorreu em projetos
semelhantes de reforma educativa nos estados de Minas Gerais e São Paulo nas
últimas décadas (além de países da América Latina, como o Chile), trata-se de
juntar a demanda da qualidade da educação com eficiência econômica, dentro de
padrões empresariais de funcionamento, visando objetivos pragmáticos e
instrumentais. No entanto, é sabido que as reformas efetuadas naqueles estados
(e as implantadas em países latino-americanos) não tiveram êxito; ao contrário,
a situação da educação piorou significativamente. A reforma agora anunciada em
Goiás, cujas linhas gerais, metas e estratégias, não são novidades, pode seguir
os mesmos caminhos caso não sejam revistos aspectos importantes do projeto.
Uma análise crítica das Diretrizes precisa estar atenta a
algumas considerações. É verdade que a qualidade da educação é condição para a
eficiência econômica, e é essa a motivação que está por detrás dessa reforma
educativa goiana. Também é fato que o planejamento estratégico para a educação
necessita a previsão de resultados e meios de obtê-los. Mas os educadores
comprometidos com os reais interesses dos alunos da escola pública e suas
famílias perguntam: Que qualidade? Que eficiência econômica? De quais
resultados e processos se trata? Qual é a concepção de desenvolvimento humano e
de desenvolvimento social e econômico que estão por detrás das propostas?
Respostas a estas perguntas fornecerão os critérios de diagnóstico, análise e
busca de soluções para os problemas da educação.
Vários educadores brasileiros já
apontaram o fato de que, desde o governo Collor, passando pelos governos FHC e
Lula, as políticas educacionais brasileiras já eram uma política de resultados
de inspiração neoliberal. No entanto, este programa do governo de Goiás pode
ser considerado um programa requintado da política de resultados, como forma de
regulação do sistema escolar. Além do mais, para um governo que declara que
gasta muito com educação com pouco resultado, é surpreendente que o documento
da reforma tenha sido resultado de contrato com uma empresa multinacional, a
Bain & Company, especializada em consultoria de gestão, negócios e resultados
financeiros, contrato esse ofensivo e acintoso para a comunidade científica e
profissional do campo da educação do Brasil e de Goiás.
A despeito de eu não concordar com a
concepção de desenvolvimento humano (apenas implícita no mencionado documento)
e as estratégias de intervenção nos problemas da escola considero, no entanto,
legítimo o direito da secretaria da educação de formular as Diretrizes, ainda mais por se propor a
discuti-la publicamente com as escolas, comunidade e sociedade. Inclusive, há
aspectos da proposta que, se efetivamente postos em prática, podem contribuir
para a melhoria da escola pública. Tratando-se, pois, de uma proposta oficial,
vinda do órgão que tem a responsabilidade social e financeira de manter as
escolas, é preciso conhecê-la, criticá-la, mas, também, indicar os pontos em
que a sociedade quer vê-la modificada.
2. Aproximações das Diretrizes com os princípios e
estratégias indicados pelos organismos internacionais (principalmente o Banco
Mundial)
Os pesquisadores do campo da educação e
os educadores, tanto em âmbito nacional como internacional, têm identificado
detidamente as políticas para a educação dos países pobres e em
desenvolvimento, em associação com as orientações neoliberais para a economia
globalizada. Resumidamente, essas políticas têm as seguintes características:
-
Reducionismo economicista, ou seja, as
políticas e estratégias para o setor público devem ser baseadas na análise
econômica;
-
Redução da pobreza no mundo por meio de
investimentos na educação básica, saúde básica, planejamento familiar,
nutrição, de modo a aliviar tensões sociais e ampliar o número de consumidores;
-
Prioridade aos aspectos financeiros e
administrativos da reforma educativa, ressaltando aspectos que devem ser
centralizados (padrões de desempenho, insumos que influenciam o rendimento
escolar, estratégias de aquisição e uso desses insumos e monitoração do
desempenho escolar), outros descentralizados (autonomia e responsabilização das
escolas e professores pelos resultados);
-
Formulação para a escola de objetivos de
aprendizagem mensuráveis (conhecimento operacional), com padrões de rendimento
e avaliação em escala, visando o acompanhamento de taxas de retorno e redefinição
de critérios de investimento (política de insumos e resultados);
-
Aplicação e controle de insumos (livros
didáticos, equipamentos, bônus e prêmios, treinamento em gestão, tempo de permanência
na escola, etc.);
-
Flexibilização no planejamento e
centralização da avaliação, devendo esta controlar o próprio planejamento e os
professores;
-
Medidas controladoras que jogam as
responsabilidades em cima dos professores e da sociedade: conteúdos básicos e
padrões de aprendizagem, elaboração de livros didáticos padronizados,
convocação dos pais à escola para serviço voluntário;
-
Programas de atribuição de bônus e prêmios
às escolas que tiverem bom desempenho e aos professores que cumprirem as metas
fixadas pelo sistema de ensino em relação ao desempenho dos alunos, com base
nas notas dos alunos em exames padronizados;
-
Medidas organizacionais para correção do fluxo
escolar: ciclos de escolarização, programas de aceleração da aprendizagem, como
mecanismos de redução da repetência.
Aplicadas estas orientações para as
escolas, temos as estratégias a serem postas em prática:
-
Fixação centralizada de objetivos, metas e
competências do sistema de ensino, dentro de uma política de resultados;
-
Introdução de métodos de avaliação para o
sistema escolar por meio de testes estandardizados (medição da aprendizagem a
partir de parâmetros);
-
Ensino de tipo tecnicista, instrumental, em
que se mede a qualidade da aprendizagem com base na porcentagem atingida pelo
aluno em conhecimentos determinados pelo sistema de ensino
-
Obtenção de resultados por meio de provimentos de insumos (textos
didáticos apostilados, avaliação externa por testes, formas de capacitação de
professores com custo baixo, gerenciamento, parcerias com empresas privadas,
prêmios e bônus aas escolas re professores bem sucedidos), sem atender a aspectos
qualitativos.
-
Descentralização do sistema visando
autonomia das escolas e responsabilização dos professores pelos resultados,
medida pela avaliação externa de desempenho (incentivo ao desempenho
individual);
-
Comparação de resultados entre escolas,
professores e alunos, promovendo competição entre eles;
-
Implantação de modelos empresariais de gerenciamento
(metas quantificadas, valorização da meritocracia, incentivo ao desempenho
individual, tutoria e coaching,
monitoramento
Trata-se, assim, de uma política
educacional controlada por resultados, ou seja, fixação de metas na forma de
indicadores quantitativos, exigência de eficácia dos atores do sistema, estímulo
ao trabalho individual por meio de bônus e prêmios. A eficácia dos servidores, professores,
diretores, alunos, depende de determinadas competências. Sendo assim, as
competências são requisitos para os resultados. A avaliação torna-se o meio
para medir as competências que levarão aos resultados. Estes, por sua vez,
servem como critério para que diretores, professores, pais, façam uma reflexão,
reelaborem os projetos pedagógicos em termos de recuperação e melhoramento da
escola.
As conseqüências disto são previsíveis:
-
Instrumentalização crescente da educação tendo
em vista formar o capital humano em que a empregabilidade substitui o direito
ao trabalho; currículo instrumental com conhecimentos práticos;
-
Entrada total da educação no universo
econômico enquanto mercado (de educação, de produtos e serviços pedagógicos,
“kits” de formação, de professores e alunos etc. sem consideração pelos
direitos cívicos, políticos, sociais, culturais);
-
Exacerbação do individualismo num contexto
de competitividade mundial conduzindo a escola e os professores à cultura do
individualismo (cada um por si, conseguir desempenho melhor que os outros) ao
invés de uma cultura da cooperação e do bem coletivo;
-
Legitimação da exclusão social para os
não-qualificados pelos critérios padronizados de desempenho (o sistema provê os
meios, conseguir ou não é um problema individual);
-
Tirania da obrigatoriedade de resultados:
pressão em cima dos professores e dirigentes escolares, concorrência e
competição entre escolas e professores, recompensa aos bem-sucedidos, punição
aos mal-sucedidos; responsabilização pelas conseqüências;
-
Institucionalização do “professor-executor”
(tarefeiro), capacitado em técnicas, facilitador de aprendizagens, orientador
do uso de textos e aplicador de provas, mas desprovido do conhecimento
científico.
Não se trata de outra coisa senão da
subordinação a um modelo de capitalismo que se torna uma forma de racionalidade
tecnológica que impõe estandardização, o controle e a dominação.
3. Considerações pontuais sobre o
conteúdo do documento
O documento Diretrizes do Pacto pela Educação – Reforma Educacional Goiana apresenta
a) cinco pilares estratégicos; b) Dez metas gerais; c) 25 iniciativas
correspondentes a cada um dos pilares.
A posição explicitada sobre o documento
da Secretaria Estadual da Educação mostra a prevalência do critério econômico
para se definir níveis de qualidade do sistema de ensino: currículo baseado no
conhecimento prático e habilidades, empregabilidade, eficiência, baixo custo,
competitividade, indicadores quantitativos de rendimento, vínculo ao mercado,
escola como empresa, aluno como cliente. Tais características aparecem ora explícitas
ora implícitas nos cinco pilares estratégicos, nas metas e ações pontuais da
reforma educacional. Passo a considerar cada um dos pilares, indicando aspectos
positivos e negativos, em face das considerações apontadas anteriormente.
a) A valorização e fortalecimento do
profissional da educação
Alguns pontos, nesse tópico, considero
positivos: garantia de remuneração condigna e capacitação, estágio probatório,
escola de formação, suportes tecnológicos ao trabalho do professor (portal
pedagógico, banco de aulas, por ex.), acompanhamento pedagógico na situação de
trabalho por coordenadores pedagógicos, suportes em material de apoio
pedagógico-didático, no caso do portal pedagógico e banco de sugestões para
aulas e outros suportes tecnológicos; suporte às escolas vulneráveis.
Há que se considerar, no entanto, que a
elevação do salário de ingresso do professor, proposta no documento, para
níveis mais elevados do que o piso salarial legal, precisaria ser uma medida
aplicada em curtíssimo prazo. Com efeito, hoje a carreira de professor não tem
nenhum atrativo. Os cursos de licenciatura de universidades e faculdades
públicas e particulares estão fechando por falta de candidatos. Professores
abandonam a profissão. A profissão torna-se a cada dia mais estressante e
desestimulante. Considere-se, também, uma medida de curto prazo, absolutamente
essencial, de capacitação dos professores da educação infantil e séries
iniciais do ensino fundamental nos conteúdos que ensinam, pois encontram-se
completamente despreparados para essa tarefa (ou seja, não dominam os conteúdos
que ensinam).
Entendo que são aspectos negativos todos
os mecanismos previstos na Reforma em relação ao reconhecimento e remuneração
dos professores por mérito, incluindo critérios de evolução salarial, bônus,
prêmios, etc. As medidas de capacitação decorrentes da “avaliação rígida de
performance e empenho”, da “formação prática”, levam o professor a se
transformar num profissional tarefeiro, para o qual é previsto um “kit” de
habilidades docentes necessárias para a execução da função. Além disso: a) o
controle do trabalho do professor por avaliação externa será visto como
punição, falta de reconhecimento e baixa auto-estima, ao contrário do que se
espera com a Reforma; b) os bônus e prêmios são formas de sedução artificial
dos professores, cedo tomarão consciência de que não estão sendo valorizados no
seu trabalho; c) Os suportes ao professor no material de apoio pedagógico, se
for retirado do professor seu papel de elaborador do plano de ensino e de
criação e uso do livro e outros materiais didáticos, acabam reforçando o papel
de professor-tarefeiro que, pouco a pouco, transformar-se-á num mero executor,
escravo do material didático apostilado.
b) Adotar práticas de
ensino de alto impacto no aprendizado
Considero como pontos positivos em
relação a esse pilar: construção do currículo mínimo pela rede de ensino,
materiais de apoio pedagógico, acompanhamento pedagógico em situação de
trabalho a coordenadores pedagógicos e professores. No entanto, há um conjunto
de aspectos negativos que comprometem a eficácia dos positivos mencionados: a)
tendência a manter ações que apenas assegurem o acesso à escola. Como se sabe,
não basta o acesso, nem mesmo a permanência, são necessárias condições pedagógico-didáticas
no dia-a-dia das aulas. b) as condições pedagógico-didáticas aparecem no
documento meramente como “insumos”: materiais de apoio padronizados
(supostamente material apostilado), tutoria aos professores, ou seja, não se
tem garantia de atuação nos conteúdos, na metodologia, nas formas de acompanhamento
do aluno em sala de aula, nos procedimentos de avaliação em sala de aula; c) a
menção ao acompanhamento “prático” deixa entrever que se trata de prover ao
professor “kits” de habilidades práticas, acentuando seu papel de
professor-tarefeiro, não seu papel de intelectual no trabalho com os conteúdos
e de criador de suas práticas de ensino. d) absoluta inoperância e ineficácia
de escolas de referência e escolas de tempo integral. Essas iniciativas se
prestam apenas a visibilidade política do governo, assistencialismo[2]. Iniciativas
dessa natureza no estado de São Paulo (foram várias!) resultaram em fracasso e
ineficiência para os fins a que foram propostos (seja para capacitação de
professores seja para assistencialismo a alunos pobres); e) subordinar a
concepção da EJA meramente às necessidades dos alunos e à orientação
profissionalizante , o que sacrifica o papel da escola de formação integral
para essa população escolar.
Verifica-se, assim, que dos cinco
pilares previstos nas Diretrizes,
este é o que tem mais fragilidades como, aliás, ocorre nos documentos do Banco
Mundial. Revela-se aqui a estreiteza dos economistas e técnicos que lidam com questões
de educação, especialmente as relacionadas ao impacto dos fatores
pedagógico-didáticos no funcionamento da escola e da sala de aula[3]. Ao
colocar peso na análise econômica e na visão da escola com uma empresa, é
inevitável que, para eles, o provimento de um conjunto de insumos para o
funcionamento da escolas (ações externas como metas de desempenho prefixadas,
testes padronizados, gestão eficiente, livro didático, premiação para os
professores, poupança para os alunos bem sucedidos, etc. ), isso por si só
garantirá melhoria de resultados dos alunos. Com essa estreita visão de educação
e ensino, fica de lado a preocupação com o desenvolvimento mental e moral dos
alunos, problemas de aprendizagem, métodos e procedimentos de ensino, práticas docentes
e atividades em sala de aula, articulação entre conteúdos e métodos, formas de avaliação
na sala de aula.
c) Reduzir significativamente a
desigualdade educacional
Há aspectos positivos como o suporte às
escolas vulneráveis, programas de correção da distorção idade/série escolar
(alfabetização de adultos e programas de aceleração; monitoramento de alunos
com faltas diárias). No entanto, estão presentes aspectos negativos (analisados
em outros pontos), como a remuneração diferenciada dos professores por mérito,
o nivelamento de conteúdo (porque baseado numa pedagogia
comportamental-tecnicista), e a manutenção da política de ensino especial
(inserção em classes comuns de alunos com deficiências física, neurológicas,
cognitivas), já que penso que o atendimento público e gratuito na maioria
desses casos deve ser feito em instituições especializadas.
d) Estruturar reconhecimento e
remuneração por mérito
Não vejo neste ponto nenhum ponto
positivo: programa de reconhecimento de professor que tem impacto direto na
aprendizagem do aluno: bônus de incentivo à regência, programa de incentivo às
escolas (Prêmio financeiro), programa de incentivo aos melhores alunos de cada
escola (premio de poupança), Oscar da educação.
Acredito que os professores e
dirigentes das escolas têm responsabilidades sobre os resultados da aprendizagem
dos alunos. No entanto, numa concepção estritamente instrumental de educação,
com objetivos padronizados, retira do professor a possibilidade de por em
pratica os saberes que dão especificidade à sua profissão. Ele passa a trabalhar
apenas para o que pedem as avaliações estandardizadas. Alem do mais, os professores
são responsáveis pelos seus atos e decisões, mas não forçosamente pelos
resultados, porque eles dependem de um conjunto de fatores sobre os quais não
têm controle. Exigir que os professores se subjuguem à obrigação por resultados
é quase exigir o impossível. Eles são profissionais do humano, das relações
entre pessoas, do conhecimento, não técnicos ou operários que lidam com coisas.
Quem trabalha com seres humanos, sabe que há nessa atividade sempre alguma
coisa que lhes escapa, que não podem ser controladas, ao menos que se trate de
uma escola totalitária ou completamente mecanizada. Desse modo, os prêmios e
bônus são mecanismos de sedução do professor, o qual acaba exercendo a
profissão não porque gosta dela, mas para receber recompensas reforçadoras.
Além disso, a atribuição de bônus e prêmios estimula a competição entre escolas
e professores, sendo que o desempenho profissional do professor seja avaliado
unicamente pela nota do aluno numa prova.
e) Realizar profunda reforma na gestão
e infra-estrutura
Obviamente encontram-se aqui pontos
positivos como o fortalecimento da infra-estrutura (reformas no espaço físico e
manutenção das escolas), estrutura de gestão e relações com a comunidade, integração
educacional com os municípios (diagnóstico do aproveitamento escolar dos alunos
por meio de prova padronizada, apoio em projetos de formação, currículos e
práticas pedagógicas), sistema de monitoramento do desempenho da rede,
racionalização de gastos.
4. Apreciação de conjunto das Diretrizes
Um governo e sua secretaria da educação
tem o direito de formular objetivos, metas e estratégias que combinem com suas
posições ideológicas, políticas e econômicas. Mas a sociedade, especialmente,
os professores, dirigentes das escolas e famílias precisam avaliar se essas
políticas são de seu interesse. Se não estiverem de acordo, precisam estar
preparados para dizer em que não concordam, mas, principalmente, que outros
objetivos e estratégias desejam para a solução dos problemas do sistema escolar
goiano. Seguem algumas considerações críticas finais sobre as Diretrizes da
reforma educacional goiana:
a) A política de educação baseada em
resultados é um mecanismo de regulação do sistema escolar por meio de
estabelecimento de metas quantitativas e verificação de resultados, cujo
objetivo real é a responsabilização das escolas e professores pelo êxito ou
insucesso desses resultados, descarregando os problemas da educação e do ensino
à escola , ao professor, ao aluno. A lógica dessa política é a seguinte: 1) O
sistema de ensino estabelece uma lista de metas a serem atingidas pelas escolas
conforme cada nível
de
ensino, na forma de competências;
2) São elaborados e distribuídos livros didáticos ou apostilas conforme as competências
exigidas; 3) São preparadas provas padronizadas a serem aplicadas nas escolas; 4)
Corrigidas as provas, as escolas serão classificadas de acordo com as médias
obtidas; 5) Em alguns sistemas de ensino que adotam esta política, algumas
escolas e alguns professores cujos alunos foram bem sucedidos (conforme a média
obtida) recebem prêmios em dinheiro. Pergunto: o que acontecerá com escolas com
instalações físicas ruins, sem equipamentos e material didático, professores
mal-pagos e sem acompanhamento pedagógico, famílias com baixa escolaridade e
baixo nível socioeconômico? Qual será o destino desses alunos? Qual será a
motivação e as expectativas que os professores terão sobre seu trabalho e sua
profissão?
Para os educadores com uma visão
humanista, democrática, solidária, de educação e ensino, este tipo de política
educacional tem várias limitações ou equívocos. 1) é uma concepção que reduz a
pessoa (professor, aluno) ao seu lado individualista, cada um por si; os
indivíduos são motivados por meio de gratificações; as diferenças individuais
não são importantes, as relações humanas são como relações entre objetos. 2) o
conhecimento que vale é o de valor imediato, utilitário, o que pode ser
aplicado, por isso pode ser predeterminado (apostilas), ou seja, escolhido de
acordo com interesses sociais/econômicos de quem planeja o currículo[4];
3) os métodos de ensino são “transmissivos”, com suporte das tecnologias de
ensino, pois não importa que o aluno aprenda a pensar, mas a reter o ensinado e
reproduzir o que memorizou nos testes (é o chamado “ensino behaviorista”,
tecnicista, a versão sofisticada do ensino tradicional). 4) supõe-se que uma
vez estabelecidas as metas de resultados e premiando as melhores escolas e
professores, automaticamente as pessoas irão se motivar para melhorar a escola
e o trabalho na sala de aula e se virar para atingir os resultados. 5)
supõe-se, também, que mudando o modelo de se elaborar provas (valorizando as
competências cognitivas, por exemplo), automaticamente as escolas irão
modificar seus currículos e seus métodos de ensino. 5) Sair-se-ão melhor as
escolas que transformarem sua rotina escolar numa máquina de ensinar a resolver
testes com base numa adequação total das matérias às competências previstas
pelo sistema de ensino. Resumindo, do ponto de vista pedagógico, teremos: um
professor que transmite o conteúdo com base numa apostila pronta,
responsabilizado pelo êxito ou não dos alunos nos testes; uma escola ocupada em
treinar os alunos para os testes; nenhuma
atenção à formação e desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos;
secundarização da formação da personalidade voltada para valores morais
solidário e visão critica da sociedade, predominando valores econômicos,
individualistas e egoístas.
b) A adoção da política de resultados
acaba sendo muito mais um problema de economia da educação do que de pedagogia
e de formação dos alunos. Professores cujas condições de trabalho têm sido
estressantes, esperam da instituição pública apoio, reconhecimento,
encorajamento, condições salariais e de trabalho que promovem motivação,
auto-estima, realização pessoal, mais do que controles pela avaliação externa e
muito menos por bônus e prêmios. A ação instrumental, na lógica do mercado e na
a ideologia neoliberal, visando resultados, serve à lógica econômica:
professores e alunos acabam sendo considerados objetos econômicos. É esperado
que os professores se responsabilizem pelos resultados, mas não pelas
conseqüências: mesmo que faça o que for possível para o progresso escolar dos
alunos, ele não controla outras variáveis humanas e sociais que estão afetando
seu trabalho. Além do mais, há pesquisas indicando que a premiação não tem
repercussão expressiva na melhoria do desempenho dos alunos.
c) Em relação aos objetivos da escola:
antes de ser “escola prestadora de serviço” ou uma fábrica de produtos, a
escola básica é uma instituição cujo objetivo é prover aos alunos as condições
para desenvolverem suas capacidades intelectuais através dos conteúdos e para
formar sua personalidade. Trata-se de um
trabalho de longo prazo e não pode restringir-se a uma produtividade em curto
prazo. A obrigação de resultados tem sido a orientação neoliberal dos organismos
internacionais do capitalismo globalizado visando a regulação da ação pública,
especialmente na saúde, na educação e na segurança pública, visando
produtividade, eficiência, controle de custos e de qualidade. No entanto, uma
forte pressão por resultados produz resistência nos professores e
enfraquecimento no ensino. Não que os resultados não sejam necessários, mas querer
obtê-los por meio de um ensino pragmático que visa a preparação para responder
testes padronizados significa uma simplificação dos objetivos da escola. Nada
garante, pois, que uma política de resultados baseada em indicadores quantitativos
leve a uma sólida preparação escolar aos alunos. Antes, pode levar à exclusão
escolar e social, pois a avaliação padronizada é aplicada a escolas de ensino
fundamental com condições físicas, pedagógicas, metodológicas, muito
diferentes. Afinal, a sociedade necessita de uma escola para o mercado ou de
uma escola para a formação intelectual, científica e moral dos alunos? É
moralmente legítimo submeter todas as escolas aos mesmos padrões de desempenho,
sem levar em conta as características dos alunos e de seu meio, além das diferenças
gritantes entre as escolas em relação às suas instalações físicas, preparo do
corpo docente, condições socioeconômicas das famílias? Qual a utilidade dos
indicadores quantitativos e do IDEB senão impor uma uniformidade de desempenho,
sem que o estado possa dar a todas as escolas as condições para chegar aos
padrões estabelecidos? Não há uma perversidade em pautar o desempenho das
escolas, dos professores e dos alunos a um padrão daquela escola bem-sucedida
ou do professor bem-sucedido? De que adianta exigir responsabilidade
profissional dos professores nos resultados de aprendizagem dos alunos se sua
formação é precária e seus salários aviltantes? Quantos anos o governo levará
para chegar a um suposto patamar de salário ao professor, que se aproxime de
outras profissões de nível superior? Num trabalho interativo como o ensino, em
que o trabalho do professor não poder ser feito a não ser que o aluno consinta
em aprender segundo os modos levados a efeitos na escola, como decidir a
responsabilidade destes co-produtores do trabalho escolar? A submissão à
regulação do governo não retirará as possibilidades de criação, autonomia e
inovação dentro da própria escola, em que os professores estão face-a-face com
seus alunos? Que meios de trabalho a secretaria da educação colocará nas mãos
dos professores para que os alunos possam ter mais êxito escolar?
d) Lastimavelmente, sabe-se de antemão
que a avaliação externa de resultados escolares incidem diretamente nos alunos
pobres. A fim de julgar o êxito ou o fracasso dos sistemas de educação, os
governos usam a administração de testes que visam medir o rendimento dos
alunos. Trata-se de um tipo de medida homogênea, que indicará onde os alunos
estarão classificados em sua aprendizagem. As conseqüências disso são funestas para
os principais interessados, os alunos, e também os professores, pois remete a
responsabilidade do sucesso ou do fracasso primeiro ao aluno como individuo, em
seguida, aos professores que, por suposto, tem a responsabilidade de trabalhar
com os conhecimentos e levar o aluno a aprender. Escolas de municípios menores
ou mais afastados carregam consigo um acúmulo de problemas, envolvendo prédio
escolar, professores, condições de ensino, pobreza das famílias, capital
cultural e lingüístico requerido para a aprendizagem escolar, terão um impacto
das avaliações mais negativas. Ao tornar os alunos responsáveis pelo seu
próprio êxito, arrisca-se a suscitar nestes últimos baixa auto-estima, baixo
interesse ao trabalho escolar, ou até abandono da escola. Em resumo, com a
aplicação de testes padronizados a uma clientela escolar com profundas
diferenças individuais, sociais e culturais, as crianças pobres acabam
irremediavelmente injustiçadas. Nesse sentido, a idéia de afixar na porta das
escolas uma placa com a nota do IDEB na escolas é extremamente infeliz, porque
segregadora. É um acinte, um pecado ético que se comete contra a pobreza. As
escolas e os professores podem, em parte, responsabilizar-se pelos resultados,
mas é preciso considerar que eles não têm meios suficientes para resolver os
problemas sociais e culturais que antecedem sua intervenção na escolarização
das crianças. Não sou inteiramente contra ter índices de qualidade das escolas
como meio de diagnóstico das redes de ensino, mas o IDEB apanha apenas parte do
problema da avaliação do ensino, que é a média obtida na Prova Brasil
(português e matemática) e a taxa de aprovação. Escapam dele outras variáveis
que atuam antes da escola e em volta da escola, como as práticas socioculturais
da comunidade e da família, as relações professor-aluno, as condições de
salário e de trabalho do professor. Isso sem falar da “maquiagem” dos
resultados por parte de diretores e professores. São questões que não são
levadas em conta na avaliação padronizada as quais, no entanto, extrapolam uma
simples aferição do conhecimento apresentado pelo aluno quando faz uma prova. Ao
não poder, tecnicamente, inserir no índice variáveis sociais e culturais que
afetam o desempenho escolar de alunos, o IDEB pode estar culpabilizando injustamente
o aluno, o professor e a escola. Além disso, a comparação do desempenho das
escolas entre si tem um efeito perverso: o aprofundamento das desigualdades do
sistema escolar.
e) Que fique claro: as escolas precisam
proporcionar bons resultados expressos na aprendizagem sólida dos alunos por
meio do processo de ensino e aprendizagem. Tais resultados são moralmente
desejáveis e socialmente favoráveis à redução das desigualdades sociais e dos
processos de exclusão escolar e social. Mas, vistos numa ótica economicista,
numa concepção estritamente instrumental de educação, podem ter efeitos
perversos, debilitantes e alienantes nos professores e alunos. Com efeito,
as metas são quantificadas muito mais em
função da diminuição dos custos do ensino do que de uma sólida preparação
escolar dos alunos. Força-se a melhoria dos índices educacionais sem ampliação
das verbas para o que é realmente prioritário. As escolas são obrigadas a mostrar
produtividade com base em resultados que podem ser falsificados ou maquiados.
Alunos são aprovados sem critérios claros em relação a níveis de escolarização.
Os números aparecem positivamente nas estatísticas, mas os aprovados não sabem
ler e escrever. Estamos, efetivamente, frente a uma pedagogia de resultados:
põem-se as metas, e as escolas que se virem para atingi-las. Mas se virar com
que meios? Onde estão as instalações físicas? O material didático? O
atendimento à saúde das crianças? Os salários e as condições de trabalho dos
professores? Onde estão as professoras que dominam os conteúdos, que sabem
pensar, raciocinar, argumentar e têm uma visão crítica das coisas?
Conclusão
O governo estadual e a secretaria da
educação não precisavam recorrer a uma empresa global para fazer seu projeto de
reforma educativa. Educadores antenados nos problemas da educação no país sabem
que há pontos a mexer que estão à vista. É claro que uma gestão necessita
metas, previsão de ações e resultados. Mas para fazer uma intervenção no
sistema seria esperado dos dirigentes políticos mais maturidade, conhecimento
de causa, experiência e vivência no sistema de ensino, conhecimento dos
paradigmas pedagógicos, conhecimento da historia e da realidade da rede pública
de ensino, conhecimento da vida e da profissão dos professores, etc. Sem isso,
mais uma vez teremos um programa de reformas improvisado, megalomaníaco,
afobado, pretensioso, como são as ações em que seus autores acham que
descobriram a varinha mágica, ou inventaram a roda.
Educadores e pesquisadores
compromissados com a causa da escola pública há décadas apontam para ações
pontuais e cruciais, sem necessidade de indicadores quantitativos isolados,
premiação e bonificação de professores, testes estandardizados, etc., como:
-
Adoção efetiva de medidas propiciadoras de
salário digno, carreira profissional, condições de trabalho, condições de
permanência dos professores em uma só escola com 40h;
-
Intervenção da secretaria da educação nas
questões intra-escolares, especialmente: instalações físicas adequadas, formas
de gestão pedagógica e curricular, aprimoramento das metodologias de ensino e
procedimentos da aprendizagem, atividades de sala de aula, que assegurem qualidade
e substantiva melhoria dos processos e resultados do ensino e aprendizagem mais
elevados índices de aproveitamento escolar para todos os alunos;
-
Ações imediatas de capacitação que assegurem
a todos os professores, especialmente da educação infantil e séries iniciais, o
domínio de conteúdos e habilidades cognitivas que irão ensinar às crianças, bem
como de elementos de uma cultura geral abrangente; igualmente, assegurar aos
professores das séries iniciais o domínio de metodologias de ensino de cada uma
das disciplinas do currículo.
-
Revisão da legislação atual sobre a formação
de educadores e articulação com as universidades, retomando-se a preparação
específica de pedagogos especialistas (ao menos um coordenador (a) pedagógica
em cada escola) e readequação das diretrizes para a licenciatura para docência
na Educação Infantil e Ensino Fundamental.
-
Adequação dos conteúdos de ensino no seu
papel de formação do desenvolvimento mental dos alunos, compatibilizados com as
práticas socioculturais trazidas pelos alunos, e assegurar que os professores
estejam preparados para trabalhar com eles.
Por fim, cabe recomendar aos sindicatos
e associações científicas de professores, aos formadores e professores de
nossas universidades, aos professores e dirigentes da rede estadual de ensino
que analisem conscientemente as Diretrizes
do Pacto pela Educação, a fim de proporem alterações significativas que
atendam aos reais interesses dos alunos da escola pública e de suas famílias.
[1] Sobre a
influência dos organismos internacionais nas políticas educacionais do Brasil
ver: LIBÂNEO, José C. A escola brasileira em face de um dualismo
perverso: escola do conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social
para os pobres. http://professor.ucg.br/SiteDocente/home/disciplina.asp?key=5146&id=3552
[2] A
respeito da Escola de Tempo Integral, ver posição do autor: LIBÂNEO, José C. Valerá a pena investir dinheiro público
na escola de tempo integral?
http://professor.ucg.br/SiteDocente/home/disciplina.asp?key=5146&id=3552
[3] Para
outras idéias sobre o pouco caso das propostas neoliberais para o ensino, ver: LIBÂNEO,
José C. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do
conhecimento para os ricos, escola do acolhimento social para os pobres (no
mesmo site acima)
[4] Ver a
esse respeito o meu artigo sobre o dualismo perverso da escola pública
brasileira: escola do conhecimento para os ricos x escola da integração social
para os pobres, já citado.
Infelizmente como educador, não fui ouvido, e nos sentimos preteridos na construção de algo melhor. estamos a margem e nossa posição não foi e nunca será levada em conta. O maior retrato disto é rasgar o plano de carreira como fez a ditadura marconista
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