A semana de Oração No IABC, A decadência das religiões tradicionais e o crescimento do Neopentecostalismo


No ano de 1991, aconteceu uma semana de oração  no IABC, da qual muitos que ali estavam devem se lembrar, embora, tenho percebido em conversas recentes que muitos escolheram apagar da memória os acontecimentos desagradáveis. As lembranças são confusas, mas uma coisa continua clara em minha mente: o fato de que teve um concurso de oratória e que houve uma bagunça tremenda na semana de oração. Do concurso de oratória pouca coisa sobrou, da confusão, restam nomes confusos, e uma memória fragmentada. Olhando para trás, vejo que as histórias que vivi não estavam apenas ligadas a situação vivida pela Igreja Adventista do Sétimo dia, mas também, aos acontecimentos que ligavam as grandes religiões.
A semana de oração era pra ser um grande momento de reavivamento[1]. Um pastor que veio de fora, tinha a responsabilidade de nos guiar a todos ao que se chamava de reencontro com Deus, e a movimentação dos alunos do internato e do externato, a expectativa causada para aquela semana, parecia já dias antes mostrar que seria uma semana diferente. Do lado externo a Igreja Adventista acontecia grandes escândalos evangélicos tanto dentro quanto fora do Brasil[2]. Nos estados Unidos, houve um grande escândalo que abalou todo o meio evangélico, e do qual a Igreja Adventista tentava se descolar. Apesar do momento requerer o fortalecimento da fé, e era este o plano da Igreja com o aumento das chamadas semanas de Orações, quase nenhum aluno interno tinha acesso a informações. Chegava apenas um jornal externo, “O popular” , e algumas revistas, sendo a principal a “Veja”. Em um ambiente onde quase tudo era censurado, mesmo na biblioteca, alguns livros simplesmente saiam da prateleira por serem considerados não apropriados.
A semana começou como se fosse ser uma festa profudamente vitoriosa dos planejadores. No segundo dia, porém, um fenômeno abalou a organização da semana. Simplesmente, durante o culto, diversos alunos e alunas começaram a desmaiar nos cultos, outros, começaram a falar como se estivessem possessos. O ambiente transformou-se em uma verdadeira confusão. Houve um dia que teve correria, gritaria, xingamentos e todos os outros tipos desencontros. Quando saí do colégio em 1992, descobri que acontecimentos daquela natureza estavam se tornando rotina em muitas igrejas evangélicas, tradicionais, e principalmente nas chamadas Neopentecostais. O mundo estava mudando no início da década de 1990, e nós, participamos intensamente daquela mudança.
Alheios às mudanças políticas ocorridas nos anos de 80 ( democratização, constituição de 1988, eleição de Lula), nós participávamos de outro tipo de mudança, - vivemos o processo da secularização das religiões tradicionais, quando o consumo passou a ser o tema central das igrejas, o dízimo tomou o lugar da fé; o enriquecimento o lugar da misão; e, a teologia da prosperidade o lugar da teologia da salvação. Depois de sair do colégio ainda participei de uma grande reunião na Granja do Torto em Brasília, onde se reuniu milhares de adventistas do país inteiro mobilizados pelo fenômeno chamado Pastor Bulhon; no final, percebi que a receita era sempre a mesma: sermões emotivos, e a tentativa de transformar Deus em um trabalhador da Teologia da prosperidade deixando os reais valores cristãos e humanistas como meros enfeites nas paredes da vida.
Ouve-se falar muito do impacto da queda do muro de Berlim no ano de 1989, e também, do fim da União Soviética em 1992. Pouco, no entanto, fala-se do que significou a desacralização das religiões no início dos anos 1990. O poder temporal passou a estar diretamente misturado às religiões, como ficou claro na história do Pastor Caio Fábio de Abreu[3],  nas relações que a CNBB ( Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) tinha com o Partido dos Trabalhadores, e na relação escusa da qual ninguém gosta de se lembrar que a IURD ( Igreja Universal do Reino de Deus) teve com o Candidato Collor no processo Eleitoral de 1989.
Não se trata aqui de julgar moralmente estas relações, mas tão somente de buscar perceber o silêncio que se faz no estudo destas relações, e afinal, o que estas mudanças no campo religioso têm contribuído para o aumento da violência e a decadência moral tão presente nos dias atuais. Igrejas que possuíam códigos morais rígidos quanto as relações entre poder temporal e poder espiritual afrouxaram suas exigências. A Assembléia de Deus, por exemplo, que no inicio da Década de 1990, proibia seus membros de vestirem roupas ( por exemplo, mulheres usarem biquínis e usarem calças); tem afrouxado de tal forma seus códigos que hoje é possível quase tudo. Neste mesmo rumo seguiu a Igreja Presbiteriana, Batista, e também, a Igreja Adventista. Além do afrouxamento moral das igrejas tradicionais, teve o surgimento indiscriminado das Neopentescostais que prometiam a mesma salvação quase que sem cobrar obrigação moral nenhuma a não ser a contribuição financeira para o sustento da Igreja. Houve uma total inversão de valores, o que era essencial passou a ser detalhe, e o que era elementar, tornou-se fundamento essencial.
Hoje, os jovens que nasceram na década de 1990, e cresceram no meio de tal balbúrdia possuem uma extrema dificuldade de lidar com princípios e valores. Não são livres por que possuem dificuldade de possuir consciência de si, uma vez que o que se entende por liberdade os impede de questionar os grandes temas da vida, da existência e do sentido da vida humana na terra. A mistura dos temas temporais, dos problemas temporais com os problemas espirituais não parece ter sido bom para nossa era. Na questão dos valores morais estamos assistindo agora uma monetarização da própria espiritualidade e uma tentativa de retirar lucro  e selecionar pessoas a partir do que elas podem apresentar como desenvolvimento espiritual. Isso está acontecendo muito mais pela decadência e massificação  da religião do que mesmo o que muitos vem chamando de maior espiritualização do ocidente.
A religião não tem conseguido mais cumprir o seu papel na formação e desenvolvimento das pessoas, e as denuncias que surgem a cada dia, torna-as guardiães ainda mais desacreditadas da moral de dos bons costumes, como tem indicado os escândalos envolvendo a IURD, a Igreja Renascer,  Igreja Mundial do Poder de Deus, e também, a Igreja Católica com o problema da pedofilia dos seus padres. Como naquela semana de oração que vivi no IABC, o mundo começa a ver que tem algum problema rondando o que se chama reavivamento e encontro com Deus das religiões.




[1] Para conhecer um dos líderes do reavivamento da década de 1990 http://www.comtudo.com.br/materia.php?id=38
[2] Para conhecer o processo de massificação da Música evangélica. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-85872007000200004
[3] Pastor Caio Fábio é o mesmo do link já referido do Dossie Caymam

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