Sobre o Pacto da Educação : Abrir-se para o diálogo e qualificar o debate


Nelson Soares dos Santos

No mesmo dia e hora em que o Governador abria-se para o diálogo, travei com o Gerente de Desenvolvimento Educacional da Secretaria estadual de Educação o debate que está no texto logo abaixo deste. E, neste momento que resolvo publicar o texto, relendo cada linha, cada parágrafo, tentando reconstruir os sentimentos e emoções envolvidos para tentar entender como tudo é construído e as razões de cada palavra escrita, fico  questionando como dialogar? Como elevar e qualificar o debate?
Estou neste momento no quarto onde escrevo. Diante de mim uma prateleira  com mais de 100 livros de política educacional, prática pedagógica e gestão escolar. Ao lado, duas caixas de livros com dicionários de política, filosofia, economia, sociologia e psicologia. Ainda, do outro lado, separados, toda a obra de Bachelard, e alguma dezena de livros de Michel Foucault. Tem ainda, uma série de livros esparsos, ( filosofia alemã, ocultismo, espiritismo, religião, etc). Comecei a mexer em tudo e todos e sempre pensando: como elevar o diálogo e qualificar o debate?
Voltei a ler novamente a discussão do face. Li e reli o artigo do professor José Maria. Li e reli o Pacto da Educação. Sentei, refleti, respirei. A pergunta que interessava continuava ali: como qualificar o debate, abrir-se para o diálogo e encontrar uma solução? Foi quando veio a ideia de perguntar: afinal, qual é o problema? O que impede o diálogo? O que impede a qualificação do debate? Continuando a refletir outras perguntas vieram. Será a greve dos professores apenas uma implicância política e ideológica? Terá o pacto da educação algum fundamento teórico que justifique sua prática? Os cinco eixos e 25 metas podem mesmo mudar alguma coisa na Educação goiana? A reclamação e motivo principal alegado pelos professores para fazer a greve – a titularidade e o achatamento salarial – é real? E por fim, a pergunta que não deixa dormir: É possível corrigir os rumos do pacto, revendo, ou tem que zerar tudo e começar de novo?

1.   O artigo do Prof. José Maria – Questão Partidária e ou ideológica?

O artigo do Prof. José Maria procura suscitar o debate e a polêmica, mas, subliminar carrega uma dose profunda de conservadorismo reacionário. Acusa o pacto de ser surrealista, mas o objetivo mesmo é desqualificar  oposição ao pacto, e, cita para isso, o fundamento marxista na análise do neoliberalismo utilizada por aqueles que representam os professores em greve. O professor confunde, então, análise da realidade com teorias. No final, ignora a complexidade do processo educativo transformando o que poderia ser um debate em  guerra de torcida. Culpa os teóricos da educação de ver neoliberalismo em tudo ( como se este não existisse mais), e não consegue ver o papel da educação no processo de extração da mais valia absoluta. Afinal, por negar o capitalismo e suas formas de reinventar, o professor acaba também por negar a existência da exploração do homem pelo homem, e do papel da educação neste processo. No limite do absurdo, até a UNESCO é vista como esquerdista.
Em sua forma, o professor defende o pacto, e para não pretender defender o indefensável vê-o como surrealista. “As diretrizes do pacto não são ruins, mas são completamente surrealistas”. Veja como o professor brinca com as palavras. O significado de surealismo é antônimo de real, maluco, genial, espetacular, fantástico. Brincando, deixa ao leitor a responsabilidade da ambiguidade e esconde o pragmatismo da defesa ideológica desenfreada com objetivo claro de impedir o esclarecimento. Tal estratégia para confundir, permeia todo o texto, e em alguns casos com silogismos e tautologias.
No argumento sobre a posição da faculdade veja como o autor usa de uma premissa falsa: “E a Universidade que deveria ser uma força neutra....”, e a partir de tal premissa procura descaracterizar a postura das faculdades que repudiaram o pacto com documentos publicados com o apoio óbvio da maioria dos seus docentes, afirmando que a não neutralidade é postura de sindicato. Veja que o autor confunde neutralidade científica com neutralidade política dos docentes da Universidade, e constrói assim uma premissa totalmente falsa pois a neutralidade no processo da investigação científica não impede o posicionamento político. Difícil algum docentes destas faculdades ao perceber as falhas dos argumentos aceitar polemizar.
São muitos os raciocínios confusos, ambiguidades e tautologias no texto. O objetivo parece ser claramente confundir e defender sem parece que é uma defesa o indefensável. Na questão do mérito o autor afirma: “Se a universidade discutisse a sério o Pacto pela Educação, ela poderia contribuir com a melhoria do conceito de meritocracia proposto pelo secretário Thiago Peixoto”. Premissa novamente falsa. A universidade não apenas tem discutido exaustivamente tais propostas educacionais que tem livros e livros publicados sobre o assunto. A ANPED, ANFOP, ANPAE, tem inúmeras pesquisas realizadas, e mesmo as pesquisas com fundamento no liberalismo político não aprovaria as tais ideias do pacto. Talvez daí, o desespero de dizer que o as ideias da UNESCO são  esquerdistas. É como escrevi em um dos artigos do blog ( com erros de português, claro), parece que o objetivo é reinventar a roda.
Há outro artigo (gramaticalmente correto) escrito por Sinéiso de Oliveira que procura mostrar o valor do pacto. Este, creio, já desconstruído por um artigo do Professor Romualdo Pessoa, e que portanto, podemos economizar tempo e espaço.
A desconstrução dos argumentos de quem defende o “Pacto” não elimina a pergunta mais importante. Como elevar o diálogo e qualificar o debate?
2.   A universidade, o CEE e as relações de poder.

Penso já ter deixado claro em argumentos que a explicação para, em primeiro lugar o logo silêncio ao ponto de permitir a lei ser aprovada na Assembleia; e, de outro lado, a posição tomada com poucas palavras do CEE e das Universidades tem seu fundamento nas relações de poder estabelecidas na sociedade goiana. No entanto, no caso do Conselho, o documento apresentado é claro, bem fundamentado e realizado por uma Instituição de credibilidade comprovada – O DIEESE, não deixando portando dúvida de que houve um debate sério e consequente sobe o problema.
No caso da Universidade é natural que com tantas pesquisas realizadas e publicadas sobre a questão, os docentes não tenham sentido a necessidade de fundamentar e alongar em profusão de argumentos as razões de serem contrários. Esquisito seria o silêncio e mesmo o apoio, mesmo que fosse apenas daqueles que utilizam métodos de pesquisas fundamentado no positivismo. Afinal, o documento não apresenta nenhum tipo de rigor que force uma análise do mesmo.
Por resto, e para eximir a  universidade, um dos cientistas mais brilhantes da área educacional fez uma análise consistente, buscando ler nas entrelinhas o que não estava escrito, ( talvez tentando encontrar a genialidade e o espetacular em vez do maluco no plano, para lembrar o Prof.José Maria). O Prof.Libâneo deteve em cada um dos aspectos e tentou situá-lo em uma corrente teórica, e, assim, buscou desmistificar o aspecto novidadeiro e de salvador da pátria. Entretanto, os defensores do “Pacto” só conseguiram ver no texto do professor “Dogmas marxistas”, como se a realidade não estivesse bem a frente jogando todos os ovos na nossa cara.
Supondo, no entanto, que o documento do CEE não tenha valor,que os argumentos da Universidade sejam apenas “dogmas marxistas”, o problema estaria resolvido? Ou ainda estaríamos diante de contracheques com salários reduzidos, currículos das escolas unificados e problemas de toda ordem na gestão e no processo pedagógico? E se aceitar que o documento do CEE seja uma farsa, que a postura da Universidade é dogmática e sindicalista não resolve o problema como elevar o nível do diálogo e qualificar o debate?

3.   Elevando o nível do diálogo e qualificando o debate.

Afinal, o que significa elevar o nível do diálogo e qualificar o debate? Existe uma coisa na ciência que, talvez, só aprendemos com clareza no mestrado e no doutorado. Trata-se de identificar o problema, a problemática, o método e a metodologia. E neste caso eu arriscaria dizer que o problema é: O pacto apresentado pela secretaria causou desconforto, insegurança nos educadores e em diversos atores da sociedade civil organizada. Todo o restante não é problema, é problemática. A titularidade, o plano de carreira, o currículo unificado, a retirada de poderes do CEE, tudo fazem parte da problemática, e resolvido o problema  a problemática desaparece.
Portanto para elevar o nível do diálogo e qualificar o debate é preciso duas coisas: primeiro, admitir o problema; segundo, compreender a realidade que o pacto tentava solucionar, uma vez que antes do pacto havia um outro problema: O ensino em Goiás está com a qualidade ruim. Eliminado o primeiro problema ( admitir o problema é aceitar que o pacto provou mais confusão que solução), voltamos a questão anterior: como fazer para a melhorar a educação no estado?
Qualificar o debate significa todos pensar nesta pergunta. Afinal, plano de carreira dos professores, CEE, Universidades ( cursos de formação de professores), terá muito mais valor se cumprir o objetivo que é prover ou contribuir para prover Educação de qualidade para as novas gerações. Neste sentido, podemos elencar algumas propostas que não chegam a ser novidades aos estudantes das políticas educacionais sendo:
1.           Propor a elaboração de um Plano Estadual de Educação ( ou retomar de forma intensiva o já existente), levando em conta uma repactuação com os entes federados ( ou seja, levando os muncípios a elaborar o plano municipal de Educação onde não houver),e buscando apoio na União para fundamentar o Plano Estadual de Educação;
2.           Criação de uma comissão representativa e democrática com o objetivo de discutir mudanças no plano de carreira estabelecendo relação do mesmo com a qualidade de ensino nas escolas para ser apresentado no prazo de noventa dias;
3.           Estabelecer uma discussão com o governo sob a negociação das perdas já obtidas pelo não pagamento do piso no anos anteriores a ser feita entre o sindicato e a Fazenda Estadual buscando  atender as condições orçamentárias do Estado.
4.           Revogação da lei que institui o pacto e manutenção das condições anteriores até o prazo de noventa dias quando finda o prazo das negociações e o trabalho da comissão.
5.           Retorno dos professores à sala de aula e manutenção da mobilização pelo esclarecimento;
6.           Recuo do governo no processo de corte do ponto e planejamento docente para a reposição das aulas.
É claro que neste período de debate e diálogo todos os detalhes serão considerados ( Deus e o diabo mora nos detalhes) como mudanças nos processo de gestão, questão curricular, relação com os municípios, etc.; no entanto, creio que este é um bom caminho para começar a elevar o diálogo e qualificar o debate que não pode ficar apenas na questão da titulação dos professores enquanto escolas caem aos pedaços, faltam livros, bibliotecas, laboratórios fechados,e tantas outras coisas mais.
Uma coisa é certa. Existe um problema na Educação pública em Goiás e podemos resolvê-la com maturidade, diálogo, espírito público e unidos pelo bem comum. Isso pode parecer apenas uma utopia, mas sempre foi de utopia em utopia que a humanidade avançou. A humildade, a generosidade, a sinceridade são elementos importantes  neste momento, caso contrário perderemos uma chance a mais de mudar o futuro de muitos seres humanos. A disposição do Governador em iniciar o diálogo é um bom começo.  O sinal dos professores de que estão conscientes do papel a exercer neste momento histórico é alvissareiro. Só o futuro dirá que uso faremos desta oportunidade.

OBS. Só mesmo para contrariar não vou nem reler o que escrevi, quanto mais revisar.

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