O direito a liberdade, A luta dos homossexuais por seus direitos e a decisão do STF



Mudanças sempre trazem perplexidades. E isto por que sempre que a sociedade se propõe a abrir novos caminhos se depara com o inevitável – a novidade do novo. Chamo  de novidade do novo aquelas questões que aparecem quando tomamos decisões que mudam nossos caminhos que jamais imaginávamos que elas fosse aparecer. Durante anos os homossexuais lutaram por mais direitos na sociedade – e de forma legítima; e, do outro lado aqueles que eram contra o reconhecimento da relação homossexual como entidade familiar também lutaram – também de forma legítima, pois é isso que faz uma democracia; no entanto, no momento em que o STF reconhece a União Estável de casais homossexuais, equiparando-a ao antigo conceito de entidade familiar muitas  dúvidas começam a surgir.
A primeira dúvida que surge na cabeça de todos é: a configuração do novo modelo de família pode mesmo, na prática ser equiparada ao antigo modelo de família? Para esta resposta, fica a máxima de que para realidade nova é preciso palavras novas, conceitos novos. É certo que a idéia de família que tínhamos até agora tinha como pressuposto a fecundidade natural, ou seja, um casal que por meio natural gerava outro ser humano. Neste sentido o novo modelo de entidade familiar não poderia ser equiparado ao primeiro. Disse sabiamente o Ministro Ricardo Levandrosvki – “é um novo modelo de entidade familiar que surge, um novo tipo que se acrescenta aos já existentes.  O ministro se referia que a constituição brasileira considera a existência de três tipos de família sendo: pai, mãe e filhos; pai e mãe sem filhos; e, pai ou mãe sem filhos; e ainda, pela convivência tios e sobrinhos que convivem junto na mesma casa.  
O fundamento do novo tipo familiar seria a convivência e não a capacidade natural de fecundar ou reproduzir. A questão que se coloca é: não havendo laços de sangue no novo tipo familiar o que os uniria? A resposta dada de forma clara pelos defensores é o amor. O amor de um companheiro pelo outro, e dos  dois pelos filhos, caso haja a adoção ou a existência de filhos de um dos parceiros. Isso colocaria o novo tipo familiar em uma escala de evolução moral superior aos tipos já existentes, pois somente as virtudes os obrigaria aos deveres de uns para com os outros pois, não existindo os laços naturais os únicos laços a uni-los seriam os laços do amor. A aprovação da lei pelo STF, mostrará que os homossexuais também são humanos e que entre eles a evolução moral não é tão evoluída assim. E isso é um dos fatores mais positivos da nova realidade e motivos de futuras preocupações para o grupo dos homossexuais.
Até então as relações entre eles se davam na informalidade. Devido a isso não existem muitos registros de como grupo lida com as questões morais internamente. De agora em diante se saberá a duração dos relacionamentos homossexuais, a estabilidade, o cuidado moral de um parceiro com o outro, e, sobretudo, como agem no caso de separação. As questões patrimoniais e de cuidados materiais virão a tona de uma forma que certamente será surpresa para muitos.
Outra questão que se apresenta é a necessidade de palavras novas. Para o movimento homossexual a decisão do STF acabou com a grande bandeira , a principal que possuíam  - viver a margem dos direitos protegidos pelo estado. E agora, aparece a questão cabal: eles passam a viver sob as obrigações do Estado. Nesse sentido não poderão mais desrespeitar nenhum tipo de Instituição cujo código moral que os rege é aprovado pelo estado. Fazê-lo, mesmo utilizando as brechas da lei pode ser visto como litigância de má fé. É assim, o estado ao reconhecer um determinado grupo social estabelece sobre o mesmo o quês e chama de controle. Doravante todo o passo do movimento homossexual deverá levar em conta a presença do estado. Isso significa, para o movimento, encontrar palavras novas, novas bandeiras. De outro lado para os que são contra, também terão que encontrar palavras novas. Já não se pode mais utilizar, por exemplo, a expressão “casal normal”, e teremos todos de aprender a conviver com uma realidade que antes era restrita em sua maior parte a vida privada dos indivíduos.
A defesa da liberdade individual nos leva também a mais um impasse: o direito que tem os homossexuais de se tornarem parceiros e viver em união estável não retira dos demais o direito de continuar sendo contra. O estado normatiza o mundo jurídico, o contrato social, não o mundo moral. E na democracia há que prevalecer diversas visões de mundos sob o risco de deixar de ser democracia. Isto pode significar aumento ou diminuição da violência no que diz respeito ao assunto. Caso haja acirramento na sociedade pela disputa do que é o bem, o bom no mundo moral poderá haver aumento da violência, caso não haja, e a disputa do conceito do que é o bem for disputado pela prática poderá diminuir a violência. Ou seja, é preciso que todos entendam que em um estado democrático e de direitos o monopólio da violência cabe apenas ao estado.
Na prática tal tese protege inclusive, os pastores e padres preocupados com suas igrejas. Onde exista um código moral respeitos e sancionado pelo estado que não permite a vivência homossexual, e é assim nestas igrejas, uma vez estando sobe a proteção do estado, também o estado terá de fazê-los respeitar estes ambientes. Esta é o grande valor do estado democrático, protege A de B, mas também tem a obrigação de proteger B de A, sob o risco de provocar uma desagregação da sociedade.
Uma curiosidade certamente percebida por muitos foi o silêncio da maioria dos formadores de opinião da nação brasileira. Poucas vozes , sejam de intelectuais ou pensadores se manifestaram. Na política, um número ainda menor. Isto pode ser o indício de que vivemos um impasse no mundo moral da sociedade brasileira, impasse este que ninguém poderá prever para que lado vai se resolver. É preciso saber ouvir o silêncio mais do que as vozes que se manifestam para que possamos entender como deverá ser a sociedade de agora em diante. Uma coisa é certa: muita coisa deverá se modificar.
A luta pela liberdade traz junto consigo sempre a discussão sobre o determinismo e a responsabilidade. Acrescente-se se a isso que tal luta só surge movida pela necessidade. Teremos de discutir amplamente as necessidades que temos na nossa sociedade. A questão da adoção, por exemplo, passa pela necessidade social de se lutar contra a miséria. A questão da legalização da união estável passou, em algum momento, pela necessidade de proteger o bem estar e os direitos, sobretudo de cuidados materiais dos parceiros  que já vivem junto. É preciso que nos debrucemos amplamente sobre as novas necessidades colocadas pelo mercado, pelo capitalismo até para entendermos as relações que estabelecemos com a Idéia de prazer. Afinal, o que é o prazer? O que é a felicidade? É o prazer algo que depende apenas da liberdade do uso do próprio corpo?  Temos muito o que pensar, temos muito o que refletir, muitos sobre o qual as velhas palavras e as velhas respostas podem não servir mais. 

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