A ignorância de nossos dias e os debates rasos da Internet e da Imprensa – Sobre O livro “censurado”, e a professora demitida.
Um dos grandes problemas da atualidade é o grande barulho que se faz as vozes da ignorância. Todos tem a oportunidade de dizer o que se pensa sobre qualquer coisa, e quase ninguém se sente obrigado a fundamenta o que diz. Este problema se torna maior quando a não fundamentação do que diz invade a internet, se transforma em coro das massas e se torna poder de pressão. Tem contribuído para isso, parte da imprensa que sem buscar fundamentação adequada ou discutir os assuntos com profundidade, alçados e justificados que o papel do Jornalismo é informar, acabam por validar opiniões absurdas que provocam desequilíbrios e efeitos indesejados.
Dois acontecimentos, recentes em Goiás, ilustram bem esta situação. O primeiro, trata-se de um livro que devido ao barulho da internet e dos bolsonaristas foi retirado da lista de vestibular de uma determinada faculdade. De um lado, o barulho feito, tinha como fundamento o argumento de que o livro é pornografia. Argumento frágil em mundo no qual a pornografia está em todo lugar e ao alcance de um clique no celular. Frágil ainda mais, dado que a pornografia se tornou algo tão comum, corriqueiro e parte da vida da maioria da população, é importante que seja discutida nas escolas, mesmo que seja como temas transversais. Discutir questões com profundidade da ciência não é o forte dos bolsonaristas, então é natural que bolsonaristas não se preocupem com a questão da ciência da Educação. Eles não fazem questão de entender que na educação existem métodos, processos, e sobretudo metas e objetivos a serem alcançados, cujos resultados é a preparação do educando para a vida.
De outro o lado, o barulho foi de que a retirada do Livro estava ferindo a liberdade de expressão, de escolha, e interferindo no cotidiano da Universidade em questão. É também um debate raso quando não se leva em conta e nem se pergunta qual é o papel da Universidade. Aliás, uma pergunta bem mais óbvia: O que se deve esperar de um estudante que está sendo selecionado para adentrar os portões da Universidade? É a resposta a esta pergunta, aliada a área de conhecimento escolhida pelos vestibulandos em questão, e a consonância com os conteúdos curriculares levados a termos para estes estudantes e que os prepararam para adentra a universidade que deveria servir como ponto de fundamentação para dizer se o livro era ou não adequado no processo seletivo em questão.
Os argumentos dos bolsonaristas são rasos e sempre serão. Não se pode esperar muito de pessoas que acreditam que a terra é plana, que quem toma vacina pode virar jacaré, e cujo relativismo moral já está sendo demonstrado todos os dias. O que surpreende é o papel da imprensa quando aborda a questão, que sequer questiona ou explica a base ou os fundamentos de quem diz isso ou aquilo. Sem estes questionamentos toda informação dada pode ser tornar uma mentira, e quando muito uma meia verdade.
A segundo questão ( A professora demitida por postar uma imagem que induz a possibilidade de se interpretar que uma forma de ser herói é se tornar marginal), é ainda mais complicada. A imagem em questão, utilizada pela professora de arte, mostra uma arte dos anos 1970, que fazia referência a um acontecimento daquela época, e que segundo os estudos encontrados, deram origem as atuais milícias e a ideologia de que “Bandido bom é bandido morto”. Na época, o artista entendeu que procurar dar voz aos marginais poderia ser uma forma de defender a vida. O contexto própria da época não existe mais, a não ser do ponto de vista da busca de supressão das necessidades, uma vez, que boa ou ruim vivemos em uma democracia. Entretanto, alguma coisa daquele contexto é verdadeiro hoje, como a violência de algumas polícias, e sobretudo o discurso de violência do próprio bolsonarismo que pressionou pela demissão da professora.
Ocorre que por meio de uma ironia do tempo, a imagem usada pela professora até ilustra muito mais o bolsonarismo tido como anti-sistema e anti-política, do que mesmo a história dos criminosos e marginais da atualidade. Curiosamente, poderia ser, em uma das possibilidades de interpretação uma campanha pró-bolsonarismo, uma vez que a defesa do armamento da população, o empoderamento do individualismo em detrimento da força do estado, cai bem para o discurso do artista Oiticica e suas obras de artes originais. No entanto, foi o justamente o bolsonarismo que pressionou pela demissão da professora.
A imprensa goiana noticia em dois jornais diários a questão como sendo apenas uma questão ideológica sem levar em conta o cotidiano da educação e o papel da escola. E, na verdade, este é o maior problema. Aqui jaz a ignorância de fundo que fundamenta todas as demais ignorância – achar que qualquer um pode opinar, dizer, o que deve ser feito na escola. Esquecem todos que a educação é uma ciência e uma arte. E que sendo ciência e arte exige métodos, processos, conteúdos e formas de se fazer a prática pedagógica. Sendo arte exige criatividade, inovação, experimentação, sempre balizados pelas regras curriculares que unifica que tipo de educação estamos tendo e oferecendo às novas gerações.
No caso da professora, esta foi no mínimo imprudente. É preciso ter claro o papel do professor e ou educador nos tempos atuais, e a clareza do processo de ensino tanto quanto a discussão fundamentada em contextos e vivências experienciadas torna-se fundamental para evitar conflitos e confrontos. É preciso evitar confrontos e conflitos no cotidiano da sala de aula, uma vez que o processo de ensino e aprendizagem já pressupões tanto o conflito quanto o confronto como parte do processo devido a dialogicidade dos métodos pedagógicos conhecidos. É preciso o contexto, o processo, o tempo histórico, os conceitos como instrumentos que favoreçam a quebra dos dogmatismos e moralismo estreito que se cristalizou na sociedade. Quando a discussão se torna rasa tudo isso se perde, e perde-se a oportunidade de dialogar com a comunidade sobre o que é e como deve ser a educação nos tempos atuais.
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