Gente que trabalha, e gente que não precisa trabalhar: Uma reflexão sobre as classes e categorias sociais.
Eu estudei em um internato. Lá tinha basicamente cinco classes de alunos. Os alunos externos, os alunos regulares, os alunos semi-regulares, os semi-indutriários, e os industriários. Provocado pela mensagem de uma colega fiquei pensando nos meus tempos de estudante. Eu era aluno industriário, Esta categoria de aluno, também conhecido como bolsista integral, precisava trabalhar todo o tempo que não estava em sala de aula, férias e feriados para pagar pelos estudos. Eu me lembro de me sentir como se fora um escravo. No trabalho, existia áreas e chefes de áreas, assim, existia a área da cozinha, lavanderia, construção, horta, lavoura, marcenaria, Limpeza, entre outras.
Os chefes, a maioria deles, tratava os alunos como verdadeiros escravos. Gritava com a gente, e os novatos geralmente, eram muito maltratado pelos colegas. Eu guardo bem poucas lembranças daquela época, e a maioria são lembranças ruins. Ainda que tenha sido a única forma de obter uma educação de qualidade,, penso que não valeu a pena. As marcas e feridas deixadas vão me acompanhar por todo o resto da vida, mas foram também estas marcas que fizeram de mim um homem humanista, defensor da vida, do desenvolvimento humano com dignidade. E eu tive sorte. Trabalhei pouco tempo em trabalhos pesados, logo fui designado para limpeza, e depois me tornei monitor. O monitor era uma espécie de bédeu, vigia dos demais alunos.
Os alunos semi-industriários também trabalhavam um período quando estavam no colégio, mas podiam sair para férias e feriados se não tivessem horas atrasadas. Sim, o que pagava os estudos eram uma quantidade x de horas, que no caso dos alunos semi, se atrasassem teriam que trabalhar férias e feriados para compensar. Os alunos semi-regulares, trabalhavam apenas três horas por dia, geralmente em trabalhos leves, como limpeza, ou similares. Eram parecido com os regulares, tinha certas regalias, e sempre saiam nas férias e feriados. Por fim, tinha os alunos regulares, aqueles que não necessitavam de trabalhar. Filhos de pessoas ricas que nunca precisaram de vender a força de trabalho para sobreviver. Meninos e meninas ricas e muito mal educados em sua maioria, achavam que os demais alunos, os pobres e bolsistas eram brinquedos deles. Maltratavam e humilhavam como podiam. Existia os meninos e meninas ricas e legais. Eu conheci alguns, mas eram uma pequena minoria.
Os alunos externos eram uma classe/categoria de alunos diferenciada. Filhos de professores, funcionários, dirigentes, e moradores do Povoado de Planalmira, estes alunos se sentiam como estrangeiros no ambiente do internato. Costumavam tratar os bolsistas com muita educação, com poucas exceções. Estes também não trabalhavam, ao menos dentro do internato. O momento mais glorioso da vida de um bolsista era quando convidado para almoçar na casa de um aluno externo no sábado.
Nesta configuração social, ainda tinha o papel dos dirigentes, chefes, pastores, diretores e professores. Olhando para trás é impressionante como aquele ambiente era eivado de autoritarismo narcisista . Tinha um diretor interno, baixinho, e que também era professor de Educação Física que se sentia como se fosse Deus, para mim, até hoje e em minhas lembranças ele é a imagem do próprio diabo. O mesmo valia para um professor de Biologia e um chefe da área de manutenção e construção. Ainda me pego pensando diversas vezes em como pode existir pessoas tão desumanas. Tinha um diretor financeiro que era tão mau com os industriários que quando ele se acidentou e ficou em cadeira de rodas, eu literalmente rezei a Deus e agradeci pela justiça feita.
No meio dos alunos regulares tinha uma espécie de alunos interessante. Eram alunos com uma certa consciência política e que percebiam as injustiças que aconteciam no colégio. Eles se rebelavam facilmente, buscavam sempre levar presentes para os industriários, e repetiam muito a desobediência aos chefes, professores e diretores. Eram os marginais
Todas estas lembranças me vieram a mente devido a um incidente, na verdade um texto, publicado por uma colega em um grupo, após ela voltar de um retiro espiritual. Ela foi para o retiro espiritual, e desde que voltou tem publicado insistentemente ataques de todos os tipos, e agressivos e violentos às pessoas que não são bolsonaristas ou votaram no Lula. Foi para mim, lendo os textos dela,, inevitável não reviver todos os sofrimentos vividos no internato. Na verdade, aquele tempo de colégio foi para mim em minhas lembranças um verdadeiro inferno. Deixei a igreja tempos depois, entre outras razões levado pela busca da cura das minhas dores, por que vi que a Igreja era racista, elitista, e no ano de 1990, sequer admitia os conhecimentos sobre a mente já demonstrados por FREUD, Jung, e outros e sistematizados na Psicologia e na psicanálise.
Por que uma pessoa após sair de um retiro espiritual, no qual deveria conquistar a paz interior sai dele destilando ódio e em uma cruzada sem fim, contra inimigos, até mesmos imaginários? E lembrando das coisas do tempo do internato, de repente percebi que tem gente que nunca precisou trabalhar pra viver. Não sabe o que é a fome, e trata aqueles que são explorados, que precisam trabalhar como escória da natureza que sequer merecem a atenção de Deus. Esta gente que nunca precisou de trabalhar e sempre teve empregados e serviçais ao seu dispor para colocar na mesa a comida, lavar a roupa, etc, como nós os industriários éramos os verdadeiros escravos a servir os alunos regulares, se revelou nos últimos. E as religiões, praticamente todas elas, no afã de defender valores que consideram divinos revelaram o pior de si, um aspecto desumano, que me faz pensar que se Jesus voltasse hoje na terra, sem poder e glória eles o crucificariam de novamente.
É claro, que a guerra mais importante a ser travada é contra a fome. Enquanto a colega se gaba de que é preciso viajar por diversos países, etc, 50 milhões de brasileiros já estava na fila do osso, a partir de 2020. Hoje, além dos mais de 30% de brasileiros necessitando de assistência social, temos ainda outros 30% que estão endividados e com o nome no SPC Serasa. São trabalhadores, São pessoas que lutam todos os dias para por o pão na mesa dos filhos, tentar dar uma educação de qualidade, e conseguir algum lazer. São as mesmas pessoas que necessitam que o estado imponha leis de direitos trabalhistas para as domésticas, por que a elite do país, acredita que as domésticas deveria trabalhar de graça para eles. Esta mesma elite que confunde negros com bandidos, que prega o extermínio dos indígenas, a opressão das mulheres. Eu realmente não consigo entender onde eles leram na bíblia que Deus aprova tudo isso. E olha que me dediquei a estudar a teologia bíblica católica e protestante, e de outras cinco grandes religiões. Em nenhuma delas consegui ver que qualquer um destes Deus, de qualquer uma destas religiões aprova tais comportamentos.
Por fim, a colega alega que não quer convivência com ninguém que votou em Lula. Eu hoje sou Petista, e no PT, me declaro Humanista e independente. Eu poderia ter votado no MDB da TEBET, ou no Ciro, mas eu me pergunto, por que o Ciro e a TEBET não serviram para representar estes antipetistas e antilulistas? Ciro nunca teve nenhum processo contra ele, e ambos, aliás, são originários da mesma classe social deste pessoal bolsonarista. O que fizeram com que eles não tivessem votos para ir ao segundo turno contra Lula, é que eles fizeram a opção pelo humanismo, e esta massa não é humanista. Esta massa está pensando sempre em exterminar o adversário ( Bandido bom é bandido morto, e bandido são todos aqueles que não se curvam e não aceitam a opressão deles.)
Como disse Geraldo Alckmim, um humanista, social democrata, Lula era o único político capaz de vencer as eleições, de vencer o ódio, de fazer para a alimentação cotidiana do racismo, o extermínio dos indígenas, acaber com a fila do osso. Fui candidato a vereador em goiânia no ano de 2020, pude sentir na pele como este ódio se expressa e se manifesta. Não temos que continuar espalhando o amor, nos colocando de coração aberto para conviver com os diferentes, para dialogar, e para preservar todas as formas de vida.
Como humanista estarei sempre aberto a conviver com qualquer ser humano. E, defendo que o estado de direito e a democracia seja respeitada, defendo os direitos humanos e vida digna até mesmo para aqueles que não conseguindo se ajustar a sociedade são obrigados a viver nas prisões. Só existe evolução possível na experiência da vida. E é muito triste que uma pessoa que tendo nascida rica, que nunca precisou de viver da força de trabalho, não consiga perceber, mesmo após sair de um pretenso retiro espiritual onde pretensamente foi encontrar Deus, não consiga ver e exercer a gratidão, a bondade, a generosidade e o amor universal.
Excelente reflexão! Nossa colega nem vive no Brasil, realmente lamentável a visão limitada exposta por ela. Amplexos!
ResponderExcluirBoa noite. Belas palavras amigo.
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