A história de um processo parte 10 - Danos morais, materiais, psicológicos ou a quase perda da fé.
Quando surgiu o processo administrativo contra minha pessoa eu estava escrevendo um projeto de reestruturação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas para que fosse transformada em Centro Universitário. Um dia ao analisar o orçamento da faculdade percebi incongruências orçamentárias que poderiam ser entendidas como desvio de dinheiro público. Quando procurei o diretor, este disse que na vida precisamos ser flexíveis e me ofereceu propina. Eu, que entrei naquela sala despreparado para uma conversa desse nível, nunca tive como provar para ninguém que tive aquela conversa. Contei para os meus advogados da época e eles não levaram muito a sério. Quando cheguei na faculdade na semana seguinte, minha sala onde trabalhava o projeto de reestruturação para que a faculdade se tornasse centro Universitário tinha a fechadura da chave trancada. E quando fui chamado pelo mesmo diretor que havia me proposto participar do esquema de desvio de dinheiro da faculdade, ele me avisou que tinha sido processado e que só dependia dele eu ser demitido ou não.
Eu acreditava nas leis, regimentos, regulamentos. Então afirmei a ele que não tinha como eu ser demitido, uma vez que não havia até o final da semana nenhuma reclamação de alunos contra meu trabalho, não havia tido nenhum acontecimento e que portanto, eu poderia ser retirado da coordenação do recredenciamento, uma vez que tal cargo era de confiança do Diretor da entidade e do presidente da fundação, mas que ninguém poderia fazer minha demissão, pois havia sido aprovado em concurso, tomado posse, e tinha direitos previstos na Lei 8.112. Então ele disse que eu poderia entrar na justiça, mas o juiz era amigo dele, da mesma loja maçônica, amigo do prefeito, e que meu processo jamais seria julgado, e que se fosse julgado eu jamais seria reintegrado novamente. Tinha um colega que dizia que Goiatuba parecia outro mundo, outro país, onde parecia que as pessoas faziam as próprias leis.
Quando cheguei na faculdade a noite, um administrativo me parou no estacionamento e disse: - Professor, querem demitir o senho a qualquer custo. Estão vendo estes carros de polícia ? É para o senhor. O senhor será chamado na coordenação e a coordenadora irá provocar o senhor, e se o senhor perder a cabeça vai sair daqui preso. Então seja lá o que ela disser para o senhor, fique em silêncio e faça como o senhor disse que faria de manhã, entre já Justiça. Quando cheguei na sala da coordenadora percebi que aquele aviso era verdadeiro. A coordenadora estava alterada. Começou a esbravejar e a gritar coisas sem sentidos. Eu não entendia de verdade o que estava acontecendo mas lembrando do aviso recebido mantive a calma, fui me retirando enquanto ela esbravejava e gritava andando atrás de mim pelos corredores. Naquele mesmo dia retornei a Goiânia. Estava perdido sem entender por que fora demitido daquela forma. Não conseguia encontrar uma razão, uma explicação, um sentido. Naquele dia iniciou o meu sofrimento que dura até os dias de hoje.
No dia seguinte fui até ao escritório de um advogado acompanhado de uma amiga. Chegando lá, o meu processo de sofrimento se agudizou. Nunca vou esquecer os questionamentos feitos pelo advogado. Ele repetia infinita vezes a pergunta sobre o que eu teria feito de tão grave para que pudesse ser processado, demitido em três dias, sem direito de defesa e com voto da maioria do colegiado das coordenações dos cursos da faculdade. Eu mesmo não conseguia entender. Mesmo assim, entrei com o processo. Como havia sido avisado pelo diretor, o Juiz não julgou o processo, não julgou a liminar. E simplesmente engavetou o processo. O advogado sempre dizia que a justiça era lenta e que nada podia ser feito para que o processo fosse julgado. Dois anos depois, sopraram nos meus ouvidos que eu deveria denunciar o juiz a corregedoria. Então eu fui lá, sem que meu advogado soubesse e fiz a reclamação. Dois meses depois, abriram uma investigação e juiz foi afastado. O juiz que substituiu julgou o processo concedendo minha reintegração e todos os salários atrasados. Pensei que a Justiça seria feita.
Antes que acontecesse o cumprimento de sentença o Juiz foi transferido. E, novamente, ouvi que a sentença jamais seria cumprida. E o processo começou a se arrastar novamente. Nenhum juiz julgava o mérito do cumprimento de sentença. Até que no ano de 2020, novamente tomei a decisão de denunciar mais uma vez o juiz da comarca ao CNJ. Arquivado a denúncia no CNJ servi-me da própria defesa do juiz para pressionar o advogado a entrar com recurso no Tribunal, uma vez que o juiz dizia que despachava no processo, e o problema era do advogado que mesmo demonstrando insatisfação não utilizava a via recursal. E assim nasceu o recurso ao tribunal de Justiça.
Por trás de toda esta história há dores impublicáveis. O prejuízo na formação e educação das filhas foi considerável. O pior de tudo é que de algum modo eu perdi a fé na minha capacidade de ser educador. Por alguma razão o não compreender as razões pelas quais fui demitido, não ter o processo encerrado até os dias atuais, ainda é algo que produz muita dor e sofrimento. A minha vida acadêmica, de certa forma parou. Não consegui terminar o doutorado. Não consegui terminar a faculdade de direito, e fui tendo dificuldades cada vez maiores de escrever e estudar. Quando você começar a perder a fé na justiça são muitos os pensamentos que lhe vem a mente. Eu escolhi continuar a acreditar na justiça, no judiciário e o no estado de direito. Vi que a luta por fazer a justiça funcionar já não era uma luta pessoal e que muitas outras pessoas padeciam do mesmo sofrimento. Quando colocaram fogo no fórum de Goiatuba e o processo foi queimado, muita gente perdeu completamente a luta. Na medida em que as forças e a fé foram reconstituindo passei a vigiar o processo diariamente e então percebi os absurdos que haviam na movimentação do processo.
No momento atual, quando o tribunal, manda novamente expedir o precatório e vejo que há uma disposição de atender as vontades e pedidos absurdos dos advogados da prefeitura e da faculdade, uma nova fé e esperança me reanima. Penso que talvez o Universo esteja me dizendo que uma das minhas missões nos dias que me resta de vida é lutar contra a corrupção no judiciário para que outras pessoas não passem pelo que passei. É possível lutar e viver de cabeça erguida ainda que nossos corações estejam sangrando. É possível caminhar e lutar ao lado daqueles que vivem para defender a Justiça Social.
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