Conhecimento é libertação. Homenagem a Professora Mariinha.
Pudesse eu escrever um livro em homenagem a uma professora pelo que ela fez pela educação, ou pela minha educação eu escolheria a professora Mariinha. Talvez eu goste tanto de mulheres fofinhas pela influência que ela exerceu sobre mim. Ela era uma solteirona, pouco sei sobre a vida pessoal pois distanciei dela aos 12 anos, ( fui para o internato), e só retornei já com o segundo grau completo. Quando retornei, disseram-me: Tua professora está esperando uma visita sua, e já está decepcionada por que você está demorando muito.
Cheguei por volta das 14 horas. Era uma tarde cinzenta do mês de janeiro, um daqueles dia que se vê pouco o sol e muita ameaça de chuva. Nas ruas, ainda restava algumas poças de água da chuva nos calçamentos irregulares, hoje, não mais existentes por que deram lugar ao asfalto. Minha querida professora morava em uma casinha em uma das esquinas da praça Luiz Pereira Cirineu. Vivia solitária, nunca soube se ela teve filhos. Quieta, sentada em sua cadeira de balanço, passava a maior parte do tempo olhando pensativa para a rua, relembrando os anos vividos como me confessou naquele dia.
Conheci a professora Mariinha como professora dos meus irmãos mais velhos e como parteira. Ano de 1982, eu já com quase oito anos de idade, meio do ano, e meu pai estava decidido a não me colocar na escola. Dizia que eu era meio "esquisito", diferente dos outros, meio bobo, e, por isso não via futuro nem razão para me colocar na escola. Meu irmão Zezinho tinha dificuldade nas tarefas de casa e a professora constantemente vinha a nossa casa conversar com meu pai sobre ele. Meus pais, ambos analfabetos, trabalhavam todo o dia e a noite andavam seis léguas para estudar o mobral com a professora Mariinha, e, as vezes nos levavam juntos. Nestas idas, e acompanhando meu irmão nas tarefas caseiras aprendi a ler.
Naquele tempo, quando os mais velhos conversavam, as crianças não podiam ficar na sala. Isso dificultava eu ter contato com a professora. Um dia porém, não sei por que razão, tomei nas mãos um jornal, entrei debaixo da mesa e fiquei lendo, de tal forma que meu pai não me via e a professora podia me ver por baixo da toalha. Vendo aquela cena a professora perguntou ao meu pai quando ia colocar o filho mais novo na escola. A resposta foi de que não iria fazê-lo. Ela continuou me olhando com aqueles olhos grandes que me fazia sentir medo. Por fim, disse ao meu pai: Seu Domingos, eu acho que seu filho já sabe ler, o senhor me permite conversar com ele? e se ele souber ler posso matricular o menino na escola?
Meu pai ressabiado, falou: Oxente, Cumadre, ancê acha mermo que este menino pode ter aprendido sozinho?
- Olha, seu Domingos, conheço vários casos de crianças que aprenderam a ler sozinha vendo outros lerem. E se isso aconteceu o senhor vai ter que aceitar que em vez de bobo, o seu filho mais novo pode ser o mais inteligente, - afirmou, perenptória, a professora com ares de sabedoria.
Depois disso chamou-me com aquele carinho pedagógico que tranquiliza as crianças assustadas. Foi ai que meu pai percebeu que eu estava ali, debaixo da mesa. Já meio sem jeito, não brigou comigo. Sentado no colo da professora, li o titulo de uma reportagem. E pronto. Já estava garantida minha primeira bolsa de estudos.
Tive sorte. No ano seguinte eu já estava no segundo ano forte. E, já junto com meu irmão zezinho. Só estudamos com a professora até a segunda série. A escola foi fechada e mudamos para a cidade. Eu só pude me lembrar da história com estes detalhes por que me foi contadas por diversas pessoas, e por ela naquela tarde sombria. Sentada, e olhando para o tempo, ela ainda me disse com voz rouca e cansada: - Filho, muita gente acha que você é louco por que você quer ser doutor. Eu acredito em você. Da mesma forma que eu acreditei que você seria o primeiro filho do seu finado pai a terminar o segundo grau, eu acredito que você vai ser doutor. E eu quero viver para ver você pelo menos formado na faculdade.Eu acredito em você filho. E lembre sempre da história que lhe contei do médico africano que desde criança colocou no seu quarto a frase "Hei de vencer". Não esqueça das histórias que lhe contei de Mahatma Ghandi, Martim Luther King. Eles venceram , filho, você também pode vencer.
Depois de algum silêncio ela continuou: Lembre-se, filho, você terá de aprender a ser como os ricos, mas nunca deve esquecer de onde você veio e nem as pessoas que lhe ajudaram. Eu sei que você vai ser doutor, e se você quiser ouvir mais um conselho desta velha que ninguém ouve mais, faça um curso para ser advogado.
Foi nosso último encontro onde foi possível ter uma tão longa conversa. Até hoje as palavras dela ressoam em meus ouvidos. A primeira mulher que acreditou que eu poderia ser útil a humanidade. Minha homenagem professora. Todos os educadores tem seu valor, mas uma mulher, em lugar tão distante colocava em prática os ensinamentos de Paulo Freire e ajudava pequenos e pobres a se libertarem da ignorância. Obrigado mais uma vez, minha primeira professora.
Cheguei por volta das 14 horas. Era uma tarde cinzenta do mês de janeiro, um daqueles dia que se vê pouco o sol e muita ameaça de chuva. Nas ruas, ainda restava algumas poças de água da chuva nos calçamentos irregulares, hoje, não mais existentes por que deram lugar ao asfalto. Minha querida professora morava em uma casinha em uma das esquinas da praça Luiz Pereira Cirineu. Vivia solitária, nunca soube se ela teve filhos. Quieta, sentada em sua cadeira de balanço, passava a maior parte do tempo olhando pensativa para a rua, relembrando os anos vividos como me confessou naquele dia.
Conheci a professora Mariinha como professora dos meus irmãos mais velhos e como parteira. Ano de 1982, eu já com quase oito anos de idade, meio do ano, e meu pai estava decidido a não me colocar na escola. Dizia que eu era meio "esquisito", diferente dos outros, meio bobo, e, por isso não via futuro nem razão para me colocar na escola. Meu irmão Zezinho tinha dificuldade nas tarefas de casa e a professora constantemente vinha a nossa casa conversar com meu pai sobre ele. Meus pais, ambos analfabetos, trabalhavam todo o dia e a noite andavam seis léguas para estudar o mobral com a professora Mariinha, e, as vezes nos levavam juntos. Nestas idas, e acompanhando meu irmão nas tarefas caseiras aprendi a ler.
Naquele tempo, quando os mais velhos conversavam, as crianças não podiam ficar na sala. Isso dificultava eu ter contato com a professora. Um dia porém, não sei por que razão, tomei nas mãos um jornal, entrei debaixo da mesa e fiquei lendo, de tal forma que meu pai não me via e a professora podia me ver por baixo da toalha. Vendo aquela cena a professora perguntou ao meu pai quando ia colocar o filho mais novo na escola. A resposta foi de que não iria fazê-lo. Ela continuou me olhando com aqueles olhos grandes que me fazia sentir medo. Por fim, disse ao meu pai: Seu Domingos, eu acho que seu filho já sabe ler, o senhor me permite conversar com ele? e se ele souber ler posso matricular o menino na escola?
Meu pai ressabiado, falou: Oxente, Cumadre, ancê acha mermo que este menino pode ter aprendido sozinho?
- Olha, seu Domingos, conheço vários casos de crianças que aprenderam a ler sozinha vendo outros lerem. E se isso aconteceu o senhor vai ter que aceitar que em vez de bobo, o seu filho mais novo pode ser o mais inteligente, - afirmou, perenptória, a professora com ares de sabedoria.
Depois disso chamou-me com aquele carinho pedagógico que tranquiliza as crianças assustadas. Foi ai que meu pai percebeu que eu estava ali, debaixo da mesa. Já meio sem jeito, não brigou comigo. Sentado no colo da professora, li o titulo de uma reportagem. E pronto. Já estava garantida minha primeira bolsa de estudos.
Tive sorte. No ano seguinte eu já estava no segundo ano forte. E, já junto com meu irmão zezinho. Só estudamos com a professora até a segunda série. A escola foi fechada e mudamos para a cidade. Eu só pude me lembrar da história com estes detalhes por que me foi contadas por diversas pessoas, e por ela naquela tarde sombria. Sentada, e olhando para o tempo, ela ainda me disse com voz rouca e cansada: - Filho, muita gente acha que você é louco por que você quer ser doutor. Eu acredito em você. Da mesma forma que eu acreditei que você seria o primeiro filho do seu finado pai a terminar o segundo grau, eu acredito que você vai ser doutor. E eu quero viver para ver você pelo menos formado na faculdade.Eu acredito em você filho. E lembre sempre da história que lhe contei do médico africano que desde criança colocou no seu quarto a frase "Hei de vencer". Não esqueça das histórias que lhe contei de Mahatma Ghandi, Martim Luther King. Eles venceram , filho, você também pode vencer.
Depois de algum silêncio ela continuou: Lembre-se, filho, você terá de aprender a ser como os ricos, mas nunca deve esquecer de onde você veio e nem as pessoas que lhe ajudaram. Eu sei que você vai ser doutor, e se você quiser ouvir mais um conselho desta velha que ninguém ouve mais, faça um curso para ser advogado.
Foi nosso último encontro onde foi possível ter uma tão longa conversa. Até hoje as palavras dela ressoam em meus ouvidos. A primeira mulher que acreditou que eu poderia ser útil a humanidade. Minha homenagem professora. Todos os educadores tem seu valor, mas uma mulher, em lugar tão distante colocava em prática os ensinamentos de Paulo Freire e ajudava pequenos e pobres a se libertarem da ignorância. Obrigado mais uma vez, minha primeira professora.
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