O preço da liberdade é a eterna vigilância.
Hoje, 31 de março, aniversário do golpe militar no Brasil. Muitos jovens não tem conhecimento do preço que tantos brasileiros pagaram para reconquistar o direito da liberdade individual, liberdade de expressão e todos os direitos que temos na nossa ainda frágil democracia. Muitos foram mortos, torturados, e inúmeras famílias perderam seus entes queridos.
A pergunta que sempre faço é que erro os defensores da liberdade cometeram para que pudesse permitir a vitória dos que são capazes de matar, trucidar e torturar tivessem completo acesso ao poder. Creio que uma reflexão assim nos dias de hoje é de salutar importância. Que erro cometeu os defensores dos direitos humanos para permitir que indivíduos se apoderassem do poder para destruir vidas e famílias inteiras? Para tentar compreender as raízes de golpe e transmitir a nossa juventude atual a importância da liberdade e o que está por trás do discurso da ordem e do respeito aos valores morais é que passo elencar algumas questões.
1. Os movimentos da direita que antecederam o golpe.
Eu costumo afirmar que o golpe de 1964, lançou suas primeiras raízes logo após a vitória de Getúlio Vargas na medida em que se acirrou a disputa entre o capital e a classe trabalhadora. As leis aprovadas por Getúlio e seu modo populista de governar desagradou imensamente a elite conservador que procurou então se reorganizar para retomar o poder e os seus “privilégios” perdidos. A Consolidação das leis trabalhistas era um destes motivos de desconforto entre a elite que não via com bons olhos o respeito aos trabalhadores nem tão pouco a proteção a vida e o bem estar social.
No período que antecedeu o golpe a elite se organizou procurando participar dos movimentos sociais, muitas vezes com discursos que na aparência pareciam estar na vanguarda da defesa da ordem, da segurança nacional, da democracia e dos direitos humanos. Seu primeiro alvo foi os jovens no movimento estudantil. Na década de 1940 e 1950, a direita logrou ocupar importantes espaços na direção do movimento estudantil tendo como sustentação partidária o PSD – Partido Social Democrata - e a UDN – União Democrática Nacional.
O alvo seguinte foi os movimentos religiosos, principalmente as comunidades de base da igreja católica. Em contraposição a Juventude católica cuja influência vinha de partidos socialistas e intelectuais ligados a academia, criou-se organizações da juventude ligados ao Pessedismo e ao Udenismo cujo objetivo era defender valores que na aparência protegia a sociedade, mas que na essência eram facistas. Corajosamente se ergueu a TFP – Tradição, Família e Propriedade. O líder da TFP. Plínio Correia foi o grande pensador da Ação Universitária Católica, e um grande ideólogo da direita lidado ao Pessedismo e Udenismo, defensor de um conservadorismo por vezes reacionário e desequilibrado.
Na política, Carlos Lacerda do Rio de Janeiro era uma voz que parecia solitária no Congresso Nacional, uma voz que representava o que de mais conservador poderia existir naquele momento, ao ponto de parecer para alguns apenas um maluco a dizer bobagens. Calos Lacerda foi o Anti-Getúlio, depois o Anti-Juscelino, e depois, o Anti-Jango, e, finalmente um dos líderes civis a apoiar o golpe militar de 1964.
2. Os movimentos da Esquerda que antecederam ao golpe.
Os movimentos sociais no Brasil ganharam expressão desde os idos dos anos de 1920. A popularização crescente da cultura cuja expressão maior foi o modernismo misturava um processo rico de conscientização da classe operária, dos trabalhadores do campo aumentando as demandas por educação, saúde, segurança e acesso a bens antes privilégios apenas das elites. A chegada de imigrantes de todas as partes do mundo, que pensava a elite substituiria a mão-de-obra escrava, contribui também para o aumento da consciência política e reivindicação de direitos bem como o aumento de uma parcela da sociedade que não possuía bens materiais suficientes para uma vida abastada. Estes imigrantes foram os primeiros agitadores e contribuíram para fortalecer aqui idéias socialistas, liberais, e revolucionárias que já existiam latentes desde antes da independência. Formaram-se assim os primeiros partidos tipicamente revolucionários, cujo exemplo mais premente é o Partido Comunista do Brasil.
Os homens de idéias no Brasil, no entanto, nunca conseguiram chegar a um consenso de mudança ou revolução. Os progressistas brasileiros sempre foram seus piores inimigos. A traição nasce sempre nas fileiras progressistas. A falta de uma liderança com estatura moral de estadista fez com que os movimentos progressistas crescessem divididos, muito mais que a elite conservadora.
Nos anos 30 e 40, enquanto Getúlio se esforçava para aprovar leis em defesa dos trabalhadores enfrentando sozinho uma elite reacionária a esquerda não compreendia a importância da necessidade de acumular forças, preparar a classe trabalhadora, investir em segurança, saúde e educação para com isso implantar as bases de uma sociedade justa e igualitária. Dividida, a esquerda sequer percebeu a rapidez com que a elite conservadora se reaglutinava para em menos de 20 anos conseguir se implantar como única alternativa de ordem para a população em geral. A elite encontrou assim, uma esquerda dividida, um líder populista e sem apoio nas bases políticas do congresso, portanto presa fácil das forças conservadoras.
3. As diretas já e o Lulismo.
Há quem pense que o Lulismo nasceu em 2002. Ledo engano. O lulismo nasceu muito antes de Lula tornar-se presidente de sindicado no abc paulista. O lulismo foi um anseio de encontrar um líder da classe trabalhadora que representasse a defesa do homem trabalhador perante uma elite cuja avareza não tem limites. Desde a morte de Getúlio a classe trabalhadora no Brasil ficou órfã. Não teve um líder que se preocupasse com o bem estar daqueles que trabalham de sol a sol para conseguir a sobrevivência. O golpe militar contribui muito para dividir ainda mais a esquerda progressistas, mais foi falta de foco na luta pelo bem estar do homem que trabalha de sol a sol para sobreviver a razão maior do fracasso. Os comunistas ficaram de olhos voltados para uma utopia que não tinha como valor imediato colocar a comida sobre a mesa. É como disse o sociólogo Betinho, “quem tem fome tem pressa”, e neste caso não dá pra esperar a revolução. Revolucionário para quem não tem o que comer é comida sobre a mesa. Durante o regime militar os líderes que surgiram, em sua maioria, estavam mais preocupados com ideais de liberdade, etc, do que em colocar comida sobre a mesa. A diferença entre Lula, Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, é que o primeiro tinha uma preocupação central: O trabalhador precisava de um bom salário se quisesse alimentar os filhos e tomar uma cerveja de fim de semana. Ironicamente isso não tem nada de ideal socialista, o que moveu Lula e o PT, foi muito mais uma idéia extremamente liberal: o direito de negociar o preço da força de trabalho. Foram as tentativas fracassadas de negociar melhores salários que fez se opor Lula ao Governo militar e contribui para levar as ruas gente que de outra forma jamais iria. A crise da década de 1980, acirrou o processo fragilizando de tal forma o governo de João Figueiredo e forçando uma transição gradual para o regime democrático. A elite não perdeu luta, negociou a rendição, mantendo importantes espaços e privilégios ainda inconfessáveis.
4. A abertura democrática a eleição de Lula.
Os símbolos são sempre reveladores de uma era. Getúlio sucidou após uma manifesto de 22 generais, entre eles Castelo Branco o primeiro presidente militar do Brasil; e deixou uma carta testamento. Antes presenteara seu Ministro da Justiça, Tancredo Neves com uma caneta Parker 21 de ouro. João Figueiredo deveria passar o poder a Tancredo Neves, mas não passou. Tancredo faleceu antes de vencer a batalha que seu amigo não venceu. Em seu lugar, assumiu José Sarney, um ex-alinhado da ditadura que trazia consigo uma clave da direita extremada do Brasil.
Nos novos tempos, UDN e PSD , desapareceram e reapareceu com nova roupagem ou roupagens. PFL, PP, PPR, PDC, PSC, Prona, e tantas outras roupagens que assumiram. De outro lado, a esquerda progressista também se dividiu e assumiu novas roupagens em uma crise de ideologia e valores difícil de explicar. O equilibrista Sarney terminou seu mandato sob fogo cruzado de todos os lados; o Populista Collor caiu; O mineiro Itamar de forma quieta sobreviveu e criou as bases para que Lula chegasse ao Poder. O Sociólogo Fernando Henrique cedeu aos poderosos, curvou-se, talvez por ser sociólogo não conseguia acreditar nas forças das massas ou na possibilidade de contribuir para uma elevação moral da mesma. Negando-se a aumentar o bem estar do trabalhador permitiu o aumento da consciência, mesmo que consciência de que era preciso arriscar votar em um metalúrgico para se ter comida sobre a mesa. O PT prometeu cuidar do povo. O negociador Lula foi eleito em dobradinha com um empresário de grande envergadura moral e respeitado pela direita esquizofrênica.
No governo Lula, este governava as massas, José de Alencar controlava as forças reacionários com sua envergadura moral que lhe dava autoridade de exigir um Brasil mais justo e solidário. Com seu exemplo podia dizer aos empresários que era possível fazer concessão aos trabalhadores, cuidar do bem estar do povo, sem deixar de obter lucros reais.
Os dias atuais.
A nossa liberdade está novamente sob risco. Novamente temos um novo “Carlos Lacerda” o indisciplinado deputado Jair Bolsonaro do Rio de Janeiro. Dele ouvimos todos os tipos de bobagens, preconceitos, extremismos; até defender o fuzilamento do presidente FCH em plenário da câmara ele foi capaz. Novamente temos uma esquerda divida cuja preocupação central deixa de ser cada vez mais a comida na mesa do trabalhador. Novamente temos um governo de coalizão onde as forças conservadores não medem esforços para aumentar seus espaços nos movimentos sociais, nas igrejas, nas comunidades de base.
Novamente resurge o PSD, liderado por políticos de direita que se dizem pragmáticos, como se existisse pragmatismos em ideologia. Novamente menospreza-se o investimento em saúde, segurança e educação para as massas. As condições estão cada vez mais próximas do surgimento do manifestos de generais como defensores da ordem e da segurança nacional. A corrupção se alastra, os jovens desvalorizam a liberdade que possuem, os jornalistas são por vezes irresponsáveis no tratamento das notícias.
Novamente é preciso lembrar: “ O preço da liberdade é a eterna vigilância”. A busca de uma vida sadia, da proteção dos valores, da liberdade, da propriedade, da família não devem ser feitos jamais com o preço do desrespeito a vida ou quaisquer direitos humanos. Que este 31 de março nos ajude a perceber que é melhor sermos livres que sermos escravos e oprimidos sem direito a voz.
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