A história de um Processo - Parte 2

 

Um dia de escuridão e terror: ou como tudo começou?

 

Não me lembro do dia exato. Lembro que estava feliz. Eu estava namorando e tinha pedido a namorada em casamento. Tinha sido um final de semana que onde minhas esperanças de ter uma família voltaram a ganhar força depois de tantas dores já sofridas na vida. Cheguei na cidade de Goiatuba,  depois de uma viagem cansativa. Naquele dia eu tinha retornado pelo ônibus da Viação Estrela. A viagem era cansativa, parava em todas as cidades do caminho e os ônibus eram velhos.



Os professores que moravam em outras cidades eram alojados em uma casa de dois andares. Eu, ocupava uma da camas do quarto superior  com vistas da janela para rua, junto com outros três professores – Anderson, Ivaldo e Eltinho. Quando cheguei na casa, logo notei um clima estranho. O professor Anderson estava estranho, esquivo, distante. O professor Ivaldo estava falante. O professor Elton ( Eltinho) quase sempre quieto, quase nunca conversava com ninguém. Cheguei , guardei as malas e desci para comer alguma coisa. Quando desci o professor Elton Marinho estava chegando bêbado e disse uma frase, que só recentemente veio fazer sentido – Professor, tome cuidado com os inimigos, mas tome mais cuidado com os seus amigos.

Não prestei atenção.  A alegria do fim de semana vivido era meu ponto cego. Saímos, eu o professor Anderson e o Professor Ivaldo, e fomos comer um lanche. Na volta, foram feitas por eles  diversas perguntas sobre minhas aulas, que respondi de forma tranquila, já que não imaginava o que aconteceria na segunda feira. Eu era imaturo demais para perceber que estava em breve correndo o risco de cair em uma grande armadilha.



Na segunda, eu só tinha aula a noite. Então, deixei para ir para a faculdade depois das 16 horas, já que pensei ir e ficar até as dez da noite, o final do expediente. Quando sai da sala dos professores por voltada das 17 horas, com intenção de tomar um lanche nas lanchonetes em frente da faculdade, notei algo estranho. Havia, naquele dia vários carros da polícia e um camburão. Achei estranho por que não era comum  ver ali tantos policiais. Perguntei a um dos seguranças da faculdade se estava acontecendo algo  que justificasse tanta polícia ali naquele dia, no que me disseram que era apenas uma abordagem de rotina.

Até então eu não sabia que a chefia de departamento era ocupada pela  esposa do capitão da polícia e comandante do policiamento militar da cidade. Entretanto, meio que um sexto sentido acendeu em mim que de alguma forma eu estava correndo perigo. E assim que retornei para a faculdade, já quase na hora de ir para a sala de aula, a coordenadora, ( só me lembro do  primeiro nome,  Denise) chamou-me na sala da chefia de departamento  e disse que no curso de pedagogia não teria mais lugar para mim, que havia muitos alunos reclamando das minhas aulas, etc, etc. Questionei quais alunos reclamavam, e o que reclamavam, e que eu gostaria de fazer uma reunião com os alunos pois se havia algo que poderia ser ajustado, poderíamos ajustar.

Ela retrucou já nervosa, que não era assim que as coisas funcionavam e que eu teria minhas aulas suspensas. Quando questionei mais uma vez, lembrando a ela que eu  era concursado efetivo, ela bateu a mão na mesa e começou a gritar. Eu me levantei e fui saindo em silêncio, no que ela saiu gritando atrás de mim. Quando cheguei no pátio havia pelo menos cinco policiais, e uma professora cochichou em meu ouvido – pegue suas coisas, vá embora, se você disser qualquer coisa, levantar sua voz, corre o risco de ir preso. Foi por sorte você não ter levantado a voz, pois você só fala alto.

Eu não entendi nada.  Entretanto, nem retornei a sala dos professores para pegar meu material. Apenas saí e desci para a casa dos professores. Naquele dia quase não dormi. De um fim de semana feliz, minha vida parecia que estava sendo transformada no inferno. Quando os professores chegaram a casa as dez da noite, disseram-me que a chefe de Departamento, a professora Denise junto com o Coordenador do Curso de Pedagogia, Professor Sebastião, estavam montando um processo administrativo para me afastar da sala de aula, que teriam ido a todas as turmas e realizado uma avaliação para fundamentar as supostas reclamações dos alunos contra minha pessoa.

Eu fiquei incrédulo. Não poderia ser. Eu tinha certeza de que a maioria dos alunos gostavam de minhas aulas. Quase não dormi aquele dia.  No outro dia, as nove horas da manhã, o colegiado da faculdade já realizava a primeira reunião para discutir os supostos problemas envolvendo minha pessoa. Eu me lembro do professor Anderson chegando na hora do almoço e dizendo : - Olha, hoje a tarde terá uma nova reunião. O colegiado está dividido mas vai afastar você da sala de aula.

Pensei que eles não fariam aquilo, tamanha era a loucura. Eu era concursado, nomeado, efetivo. Não poderia ser daquela forma. Parra minha incredulidade, quando cheguei na faculdade a noite, fui chamado na sala da Direção  Pedagógica que era ocupada pelo Professor Alzair e recebi o comunicado que eu havia sido afastado de minhas funções pedagógicas e que dali em diante eu não teria aulas, e teria que me entender com a FESG ( Fundação de Ensino Superior de Goiatuba). Explico. No regimento da faculdade havia uma anomalia. O colegiado tinha autonomia pedagógica mas não tinha autonomia administrativa, então, tecnicamente, a Direção Acadêmica poderia afastar um professor de sua funções mas não tinha poder para demiti-lo. 



O professor Alzair Eduardo Pontes, comunicou então que eu estava fora do quadro de professores da FAFICH ( Faculdade de Filosofia e Ciências humanas de Goiatuba), que doravante não precisava mais comparecer e que meu problema deveria ser resolvido com a FESG , cuja presidente naqueles momento era a Advogada,  DR, Talita Hayasaki. Peguei a cópia do processo que ele me entregou e fui direto a sala da presidência. Quando lá cheguei, a presidente me recebeu e disse: - Olha professor, estou ouvindo esta história pelos corredores, ainda não fui informada oficialmente. Pelo que sei o seu processo ainda não foi nem enviado para a presidência pelo protocolo. Se o diretor o afastou de suas atividades, o senhor fique livre para ir pra sua casa, e assim que eu tomar conhecimento da situação e analisar eu o chamarei para tomar uma posição.

Naquela altura, eu já estava me sentindo demitido. E eu sofria. Tinha alimentado a esperança de trabalhando ali, concursado, efetivo, fosse o degrau que precisava para realizar meu grande sonho de cursar o doutorado em educação e futuramente fazer o curso de direito. Sim, eu alimentava que talvez aos 45 ou 50 anos, eu ainda pudesse até mesmo ser aprovado em um concurso para a magistratura. Na quarta-feira, o colega José Hidasi ( in memoriam) retornaria para Goiânia, e então retornei de carona com ele. No caminho, ele me disse uma coisa que só agora passa a fazer tanto sentido para mim, mas infelizmente ele já não está mais entre nós para que eu pudesse questioná-lo nos detalhes. Ele disse:

- Professor, eu não quero me envolver nesta confusão que armaram para o senhor, mas eu acho que o senhor precisa de um advogado. Estão armando para o senhor e vão lhe demitir. Procure um advogado ainda esta semana, e quando retornar para conversar com a presidente da FESG, já tenha em mente qual advogado vai cuidar de tudo isso. Eu vi o seu processo, e se forem demitir professor pelo que vi ali, terá que demitir 99% dos professores da faculdade.

Naquela época eu não compreendi direito o que ele tentava me dizer. Minhas emoções, sentimentos estavam todos confusos e alterados. Eu não entendia a razão daqueles acontecimentos, não encontrava motivos em meus comportamentos que justificasse tamanha dureza de tratamento. Chegando em Goiânia, o professor me deixou no terminal Isidória, e antes mesmo de ir para minha casa liguei para a namorada. Eu disse que tinha algo importante a dizer, e que queria dizer logo, se ela pudesse vir. Eu estava tão desolado que não tive a ideia de sentar em um banco de praça, ou em uma mesas de bar,, sentei ali mesmo, na primeira calçada que avistei.

No ano de 2004, havia uma floricultura bem em frente ao terminal, a esquerda da rua que passava em frente ao supermercado. Fiquei ali, sentado, desolado. Quando a namorada chegou e parou o carro, era um gol branco, antigo, o chamado gol bola. Encostei na porta e  ela perguntou: - Não entendi, pensei que você trabalharia a semana inteira, mas o que era tão urgente que não poderia esperar até a noite, ou até amanhã? Estou vindo do trabalho.

Respondi que tinha sido demitido. Ela, incrédula, retrucou – Como assim demitido? Você não é concursado, efetivo?

Respondi que sim, e que nem eu entendia, mas tinha sido demitido e que os planos de casamento teriam que ser adiados. Ela se desesperou, disse pra eu não procura-la nunca mais e foi embora. Fiquei ali sentado vendo os carros passarem. Depois de uns trinta minutos ela retornou, parou o carro, e disse – Entra, quero entender esta história, pois ninguém concursado é demitido assim de um dia para outro.

Fomos para a kitinet onde passava os fins de semana em Goiânia. Fizemos lasanha pré-pronta, jantamos enquanto eu contava toda a história. Ao final, ela me disse: Você vai lutar pelo seu emprego, e se você ainda quiser vamos nos casar.  Lembra-se do que você me disse no dia que me pediu em casamento? Que juntos seria impossível passarmos fome? Então, está valendo. Nós vamos continuar juntos e vamos nos casar. E este fim de semana mesmo, vamos começar o curso de noivos como combinamos, olhar igreja e seguir em frente.

Então, recobrei um pouco minhas forças. No dia seguinte, liguei pra uma colega que estava concluindo o curso de direito e pedi que me ajudasse a arrumar um advogado. Ela disse que estava fazendo estágio em um escritório e que conversaria com eles sobre a possibilidade deles pegarem minha causa. Tudo fazia parecer que seria uma causa rápida, dado a estranheza da demissão, e com esta esperança retornei para a Goiatuba no Domingo a tarde.

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