O Poço – Uma reflexão.




O filme “O poço” está entre os dez mais vistos na Netflix há vários dias. Começou de forma discreta e logo passou a ser descrito como fascinante e perturbador pelo púbico no Brasil. Não é raro ver nas redes sociais indicações e comentários do filme, comentando-o ou comparando com o momento atual que o pais enfrenta na pandemia do Corona Vírus. O poço é uma produção original da netflix de 2019, dirigido pelo diretor espanhol Galder Gaztelu-Urrutia, um filme com passagens violentas e que remete a simbologias da organização da sociedade, dos modelos políticos e sobretudo de como as pessoas podem manifestar comportamentos violentos  em situações extremas, mas também, pode ser visto, para estudantes do Misticismo como um metáfora da vida.

A entrada no poço.

O protagonista parece entrar no poço, uma prisão vertical, divida por andares, onde cada andar fica dois presos, por livre vontade. Entretanto, ao chegar lá, percebe que todos que estão ali, cometeram algum crime. A metáfora da entrada no poço pode ser lembrada como o processo de encarnação, que embora seja de livre vontade, aqui estamos para expiar nossos erros, constituindo a vida material uma prisão para a alma. Assim, como no poço, a vida material é feita de privilégios baseados na possibilidade de acesso aos bens materiais. No caso do poço, o bem fundamental é a comida que para um místico representaria os desejos da carne, qual seja, para o homem que não adquiriu consciência, a vida consiste em saciar os desejos da carne, como comer, fazer sexo e dormir.

A vida no Poço.

Dentro do poço, a primeira experiência do protagonista Goreng é com o prisioneiro Trimagasi. Este pode representar os  homens que acreditam que a vida é tudo muito óbvio, palavra usada por ele repetidamente para explicar como viver no poço. Colocando em destaque a competividade, explica que no poço é comer ou ser comido, e que ali cada um está por si, e ninguém se importa com ninguém. Ao perguntar a Goreng o que levou para o poço e descobrir que o companheiro levou um livro ( Don Quixote), Trimagasi  acha graça, e revela que levou uma faca que se afia sozinha por saber que nos níveis mais abaixo só sobrevive quem estiver disposto a atacar e comer a carne do outro e que  nas circunstâncias extremas da exclusão a sobrevivência significa comer ou ser comido.

O tempo no poço.

No poço, cada prisioneiro fica 30 dias em uma cela, e depois ao dormir pode acordar em qualquer nível. Quanto mais alto o nível maior as chances de sobrevivência por que mais opulento é a mesa do banquete. O nível mais alto que chega o protagonista é o nível 6, entretanto, em sua tentativa de mudar a mecânica do poço decide descer até o último nível para tentar conseguir enviar uma mensagem a engrenagem superior que mantém o poço. Não me chamou a atenção a presença da menina no fundo do poço, ou do sábio no caminho que indica a ideia da Panacota, o que chamou mesmo a atenção foi a ideia de que os 30 dias podem representar as vidas sucessivas as quais todos estamos submetidos, e que ao “dormirmos”, a cada 30 dias ( fim de uma vida) não sabemos como voltamos ao corpo de carne e tão pouco as condições materiais as quais estaremos submetidos.

Finalmente, descer ao fundo do poço representa a ideia do Messias que decide se sacrificar e descer às profundezas dos infernos para colocar a disposição de todos a possibilidade da salvação. São vários os momentos, nos quais o filme remete a ideia do Messias, e no final, não fica claro se ao chegar ao fundo do poço ( andar 333), o que significa que ali tem 666 presos ( número da besta ou do diabo) protagonista está vivo ou morto. O certo é que ele não sobe mais junto com a menina, subir já não importa, como se ele já não necessitasse mais do mecanismo para voltar a superfície.

O poço e a realidade.

Assistir o poço nos faz pensar sobre o Capitalismo, o socialismo, o anarquismo, e o que é chamado no filme de solidariedade espontânea. Afinal, é possível ensinar o ser humano a ser solidário com seus semelhantes em situações extremas ? Ainda são as escolhas pelo conhecimento ( o livro) aliado a decisões firmes o caminho para o despertar da necessidade de mudança? O filme parece mostrar que ambas as coisas ( solidariedade espontânea, e desenvolvimento da consciência) é uma utopia quase inalcançável e que poucos, muitos poucos podem  alcançar tais perspectivas de viver.

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